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A crise penitenciária invisível da Grande Florianópolis

 

Por Elisângela S. Muniz

Advogada Criminalista – Presidente do Conselho da Comunidade da Execução Penal na Capital e da AACRIMESC – Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina – Membro do Comitê Estadual de Políticas Penais do Estado de Santa Catarina (CEPP/SC)

 

A desativação do Complexo da Trindade, em Florianópolis, deveria vir acompanhada de uma resposta eficiente à demanda carcerária da região. O Governo do Estado anunciou a criação de 9.500 novas vagas prisionais em Santa Catarina, mas reservou apenas 504 para a região de Biguaçu — número aquém do necessário para comportar os presos da Capital.

É importante reconhecer que o Estado tem demonstrado esforço e abertura ao diálogo para buscar soluções estruturais. No entanto, um fator que merece atenção é a resistência de muitos municípios da região em aceitar a instalação de unidades prisionais. Esse tipo de obstáculo compromete a efetividade das políticas públicas e contribui para a manutenção de um problema que é coletivo.

A Lei de Execução Penal é clara: o preso tem o direito de cumprir pena próximo à sua família. Isso não é uma gentileza do Estado, mas uma regra legal baseada no entendimento de que os vínculos familiares são essenciais para a reintegração social. Transferi-los para unidades distantes rompe esse elo e torna ainda mais árduo o processo de recuperação.

Há também uma clara omissão quanto à responsabilidade de manter estabelecimento prisional em cada comarca, conforme determina a própria legislação. A ausência de estrutura local prejudica não apenas os custodiados, mas todo o sistema de Justiça.

O impacto no orçamento público é outro ponto delicado: escoltas constantes para levar os presos às audiências em Florianópolis implicam altos custos com viaturas, combustível, diárias e efetivo policial. O Estado será obrigado a mobilizar recursos que poderiam ser mais bem aplicados em soluções regionais.

Para a advocacia criminal, os reflexos também são preocupantes. Advogados enfrentarão dificuldades logísticas e financeiras para atender seus clientes, enfraquecendo o direito à ampla defesa e impondo um ônus injusto à profissão.

As famílias dos detentos — já em situação de fragilidade — perdem o contato com seus entes por falta de meios para realizar longos deslocamentos. A economia local também é impactada, já que a execução penal mobiliza uma rede de serviços, fornecedores e instituições, que são enfraquecidas com o esvaziamento da estrutura prisional da região.

A eficiência da segurança pública em Santa Catarina tem se refletido na efetividade do poder de polícia, resultando em maior número de prisões e, consequentemente, no aumento da população carcerária.

Esse cenário evidencia a necessidade urgente da criação de estabelecimentos prisionais que atendam às exigências da Lei de Execução Penal, especialmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, à garantia dos direitos fundamentais e à promoção da ressocialização dos apenados. Sem a estrutura adequada, o sistema penal compromete não apenas a legalidade das penas impostas, mas também os objetivos constitucionais de reintegração social.

Dessa realidade decorre a necessidade de construções modernas, planejadas para atender às exigências legais e garantir condições adequadas de cumprimento da pena, com estrutura compatível com os princípios da dignidade humana e da ressocialização.

Para que isso se concretize, é imprescindível a união de esforços entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do engajamento da sociedade civil e das instituições comprometidas com a justiça.

Somente com essa atuação conjunta será possível assegurar que a segurança pública continue desempenhando seu papel de forma eficaz, protegendo a população e promovendo um sistema penal mais justo e eficiente.

Não estamos diante de um simples remanejamento de presos, mas de uma situação que exige responsabilidade compartilhada, diálogo federativo e visão de longo prazo. O momento é de união entre Estado, municípios, instituições e sociedade civil para garantir um sistema de execução penal digno, eficiente e justo para todos.


Elisângela S. Muniz

Presidente do Conselho da Comunidade da Execução Penal na Capital e da AACRIMESC – Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina.

 

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