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A instrumentalização do judiciário, a quem recorrer?

 

Há momentos em que o cidadão brasileiro se pega olhando para o noticiário com a sensação incômoda de que o país escorregou para uma zona nebulosa onde os poderes da República parecem se confundir, e o judiciário, que deveria ser o porto seguro da imparcialidade, surge cada vez mais como protagonista de disputas políticas, econômicas e ideológicas, o que faz crescer a impressão de que suas decisões, antes cercadas de reverência, agora transitam perigosamente entre o dever institucional e a conveniência de cada momento.

Quando o judiciário se torna personagem central de embates que extrapolam a técnica jurídica e invadem o campo da narrativa, quando juízes passam a agir como intérpretes morais da sociedade e não como aplicadores da lei, quando tribunais parecem moldar decisões de acordo com o vento político do dia, o cidadão comum começa a se perguntar, com um certo desespero silencioso, a quem recorrer num país onde o órgão máximo de justiça parece se permitir uma elasticidade que não está disponível para o restante da população?

A instrumentalização do judiciário, seja por pressões externas, seja pelo próprio protagonismo que ele se concedeu, cria um cenário em que a lei parece perder sua clareza e passa a funcionar como uma peça elástica, capaz de punir com severidade quando convém e de agir com suavidade quando o réu está protegido por algum manto de poder. É um movimento sutil, quase imperceptível para quem vive longe das disputas nacionais, mas evidente para o empresário que vê sua empresa ser fiscalizada com rigor matemático, para o cidadão que enfrenta anos de espera por um benefício, ou para qualquer pessoa que perceba que a balança da justiça parece estar desnivelada dependendo de quem é o personagem da vez.

E nesse ambiente turbulento, onde decisões viram manchetes antes mesmo de virarem jurisprudência, onde cautelares nascem com rapidez de raio e revisões demoram como eternidades, onde o debate jurídico se mistura com o espetáculo público, surge a pergunta mais desconfortável de todas: se o judiciário se torna instrumento, quem garante que ele não seja usado contra qualquer um de nós?

A verdade é que a população está cansada de ver a justiça funcionar como uma engrenagem imprevisível, ora dura como pedra, ora macia como espuma, ora silenciosa, ora estrondosa, sempre dependendo do enredo. O cidadão olha para os três poderes e percebe que, dos três, aquele que deveria ser o mais distante das paixões humanas se tornou o mais sensível a elas. E isso corrói algo que não se reconstrói com discursos institucionais: a confiança.

No fundo, a indignação que cresce não é contra a existência da justiça, mas contra sua aparente seletividade. A pergunta “a quem recorrer?” surge justamente da constatação dolorosa de que, quando até o último guardião da democracia parece oscilar, o povo fica sem bússola, sem porto e sem referência.

Ainda assim, é preciso acreditar que existe saída, porque nenhum país prospera quando seus cidadãos sentem que estão sozinhos diante da lei. A reconstrução da confiança passa por decisões previsíveis, fundamentos sólidos, limites claros, transparência radical e, sobretudo, pela humildade institucional de reconhecer que justiça não vive de aplausos nem de holofotes, mas da discrição serena de quem age pela lei, e não pelo clima do dia.

Enquanto essa maturidade não volta, seguimos como um país que pergunta, com apreensão e esperança ao mesmo tempo: se o judiciário já não parece lá neutro, a quem recorrer? E talvez a resposta esteja no próprio povo, na voz das ruas, que cedo ou tarde cobra, exige, pressiona e redefine os rumos da nação, porque nenhuma instituição, por mais poderosa que seja, resiste ao clamor contínuo por equilíbrio e verdade. Talvez aqui possa valer aquele velho chavão que um dia foi palavra de ordem de alguma ideologia política, mas que certamente hoje vale para todo cidadão de bem e que deseja ver um país amadurecido politicamente, onde as liberdades individuais sejam plenamente ouvidas e respeitadas: “o povo unido jamais será vencido”.

 

Léo Mauro Xavier Filho
Empresário

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