Vanessa Wendhausen Cavallazzi encerrou ciclo nacional de capacitação com proposta de escuta ativa e articulação democrática para enfrentar problemas estruturais.
Como transformar realidades complexas e estruturalmente injustas com a atuação do Ministério Público? Essa foi a pergunta central da palestra da Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Vanessa Wendhausen Cavallazzi, que encerrou nesta terça-feira (14/10) o ciclo de seis encontros nacionais da capacitação “Soluções dialogadas – Práticas de autocomposição no Ministério Público”.
Durante a apresentação, Vanessa apresentou o Compromisso Significativo, um instrumento jurídico inovador voltado à resolução de problemas estruturais. Inspirado em técnica da Corte Constitucional da África do Sul e fruto de sua tese de doutorado, o instrumento propõe uma atuação mais democrática e eficaz do MP, com escuta ativa, pactuação e monitoramento.
Para ilustrar a importância da escuta ativa e da articulação democrática, Vanessa compartilhou experiências vividas como Promotora de Justiça. Em São Joaquim, ao lidar com a gravidez precoce entre adolescentes e a situação de trabalhadores sazonais, percebeu que ouvir a comunidade era essencial para compreender a complexidade dos problemas. “A sociedade não é curatelada. Ela precisa ser ouvida, e nós, como MP, precisamos parar de achar que sabemos do que ela precisa sem perguntar”, pontuou.
Em outro exemplo, relatou uma reunião com a coordenadora de um CAPS que enfrentava dificuldades no atendimento à população. Ao ser questionada se queria investigar ou resolver, Vanessa optou por resolver. Descobriu que o problema não era a falta de profissionais, mas a incompatibilidade de horários com a demanda. “Bastou eu dizer que ela não era investigada, que eu queria construir uma política pública efetiva. Ali, todas as fichas caíram”, contou.
O Compromisso Significativo, portanto, não substitui o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas amplia o repertório do MP para lidar com questões complexas que exigem reconstrução de estruturas, explicou. Ao contrário do inquérito civil, é instaurado por meio de Procedimento Administrativo (PA) e, conforme defende Vanessa, deve ser homologado pelo Judiciário, valorizando a vivência local de Juízes e Promotores de Justiça.
A proposta apresentada por Vanessa parte de quatro etapas:
* Relatório estratégico: delimitação do problema com dados e mapeamento dos atores envolvidos;
* Esfera deliberativa: espaços horizontais para escuta ativa e diálogo;
* Pactuação: acordos temáticos com homologação judicial;
* Monitoramento: acompanhamento contínuo e definição de encerramento.
Vanessa reforçou que o Ministério Público foi desenhado pela Constituição de 1988 como agente de transformação social e que, para enfrentar desafios como desigualdade e pobreza extrema, é preciso ampliar os instrumentos de atuação. “Não se trata de substituir o que temos, mas de ampliar o universo de escolha. O Compromisso Significativo permite ao MP articular soluções reais, plurais e efetivas para problemas que não se resolvem com culpabilização, mas com reconstrução de estruturas”, concluiu.
Ciclo de palestras
O encontro desta terça-feira fechou um ciclo de seis palestras iniciadas ainda em setembro. Antes disso, foram abordados temas como os seguintes:
* “A importância do Ministério Público no sistema de Justiça multiportas”, com o jurista Fredie Didier Jr.;
* “Técnicas de negociação no acordo de não persecução civil”, com o Promotor de Justiça do MPSP Landolfo Andrade de Souza;
* Como pensar no uso da Justiça Restaurativa visando ressignificar a atuação do MP”, com a Procuradora de Justiça do MPPR Samia Sadd Gallotti Bonavidis;
* “Processo estrutural e acordos estruturais: técnicas resolutivas e passarelas procedimentais”, com o Promotor de Justiça do MPES Hermes Zaneti Jr.;
* “Consensualidade em grandes casos: processos estruturais Mariana e Brumadinho”, com o Desembargador Federal (TRF6) Edilson Vitorelli Diniz Lima.