Guilherme Pontes é marqueteiro, consultor político e eleitoral.
As eleições presidenciais chilenas deste final de semana se desenrolaram como uma peça de teatro cujo roteiro já parece escrito. O enredo é familiar para a América Latina: uma sociedade dominada pelo medo da violência, um governo de esquerda que luta para dar respostas eficazes e uma direita que capitaliza esse sentimento com uma narrativa de “lei e ordem”.
No Chile, 61% da população aponta a segurança como o principal problema do país, um dado que transforma a eleição em um referendo sobre quem pode restaurar a paz. O roteiro é tão poderoso que, mesmo sendo uma das nações estatisticamente mais seguras, é a percepção de insegurança que dita o voto. A esquerda, com Jeannette Jara, se vê forçada a entrar em um palco que não domina, adotando tardiamente a pauta da segurança, enquanto a direita, com José Antonio Kast, brilha sob os holofotes, prometendo “um país onde o delinquente tenha medo e o cidadão caminhe livre”.
Ao olharmos para o Brasil, o roteiro é assustadoramente similar. A pesquisa AtlasIntel de agosto de 2025 revela que, embora a criminalidade e o tráfico de drogas já são a principal preocupação para 46,5% dos brasileiros, um número expressivo e crescente. Assim como no Chile, temos um governo de esquerda no poder e uma oposição de direita que detém o monopólio discursivo sobre a segurança pública. A crise de violência no Rio de Janeiro e a resposta defensiva do governo federal, que tentou reenquadrar o debate como uma questão de “soberania nacional”, serviram como um ensaio, mostrando a dificuldade da esquerda em protagonizar essa discussão.
Contudo, se o roteiro é o mesmo, a grande diferença reside nos atores. No Chile, os papéis principais estão claramente definidos. José Antonio Kast é o protagonista incontestável da direita, o ator que personifica a “mão dura” que o roteiro exige. Ele tem um rosto, uma voz e uma plataforma consolidada para canalizar a ansiedade popular. Deve ir para o segundo turno. No Brasil, o palco da direita tem uma ausência notável: o seu principal ator está fora de cena. Com Jair Bolsonaro inelegível, a direita brasileira possui um roteiro poderoso em mãos, mas ainda não escalou seu protagonista. Há uma vaga em aberto para o papel principal, e não há um sucessor natural com o mesmo apelo de massa.
A eleição chilena parece seguir um caminho previsível, ditado pela força de um enredo bem construído. A versão brasileira, no entanto, carrega um suspense fundamental: a ausência de um protagonista na direita. E essa pode ser a falha que a esquerda precisa para vencer as eleições? Ou seria apenas um vácuo temporário, prestes a ser preenchido por um novo nome que saberá interpretar o papel que o eleitorado deseja? A resposta a essa pergunta é o que torna a eleição de 2026, no Brasil, uma peça com final em aberto.


