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IOF, Sobre Ativos Virtuais, Quando a Emenda é Pior Que o Soneto.

 

A elevação mundial dos juros, cobra a sua conta de todos os países, e o Brasil não fica de fora, o que torna rotineiro em muitos países a elevação dos tributos, na lógica de repassar aos contribuintes a conta por Estados que gastam mal, e que preservam privilégios de poucas categorias.

Um claro exemplo pode ser visto na recente proposta ventilada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, de deslocar a carga do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) para operações com ativos virtuais apresentada como alternativa ao aumento de forma linear de 3,5 % sobre câmbio e cartões, o que parece desenhar uma tendência de governos que a cada dia começam a ver nos ativos virtuais a solução para suas carências arrecadatórias.

Uma tendência que desvirtua a essência dos criptoativos, e que no caso brasileiro, ainda carece de base legal, e que deturpa a natureza jurídica e a finalidade extrafiscal do tributo.

O ensaio de proposta decorre da evidência do uso de stablecoins, especialmente as indexadas ao dólar, como alternativa para reduzir a carga do IOF nas operações de câmbio, o que mais parece a lógica de se correr o bicho pega se ficar o bicho come

É evidente que não faz sentido tributar-se um mercado ainda sem definição jurídica adequada, que deve ocorrer apenas quando se tem um marco regulatório robusto, o que implica em tributar sem bases claras sobre ativos ainda sem definição precisa, e em plena construção, tudo é claro sendo atropelado pela pressa, na logica única de arrecadar.

Lembro que o IOF, foi instituído pela Lei 5.143, de 20 de outubro de 1966, é um tributo federal de natureza híbrida, simultaneamente fiscal e regulatória e que incide, nos termos do art. 153, V, da Constituição, sobre (i) operações de crédito, (ii) câmbios, (iii) seguros e (iv) aquelas relativas a títulos ou valores mobiliários. Seu fato gerador é vinculativo e ocorre somente quando o valor é entregue ou colocado à disposição do interessado (crédito), na efetivação da compra ou venda de moeda estrangeira (câmbio), no recebimento do prêmio (seguro) ou na negociação dos ativos financeiros (títulos ou valores mobiliários), sendo exigível de pessoas físicas ou jurídicas que figurem como contratantes, seguradas ou intervenientes nessas transações.

O Imposto foi regulamentado pelo Decreto n.o 6.306/2007, possuindo alíquotas moduláveis por decreto do Poder Executivo, o que confere ao tributo função de instrumento de política monetária, cambial e macroprudencial, permitindo ao governo ajustar custos de determinadas operações para conter volatilidades ou direcionar fluxos de capital.

Sua base de cálculo corresponde ao valor nominal da operação (ou, no caso de contratos de derivativos, ao valor nocional), e a arrecadação é devida à União, com recolhimento diário pelas instituições financeiras ou seguradoras responsáveis pela intermediação.

O tributo serve para monitorar e influenciar o volume de crédito na economia, restringir operações especulativas no mercado de câmbio, desestimular práticas de “arbitragem” fiscal e garantir maior transparência em transações financeiras.

Como o texto legal não menciona ativos virtuais, e evidentemente não poderia, pois estes sequer integram formalmente o Sistema Financeiro Nacional, qualquer tentativa de alargar a base de incidência exigiria nova lei aprovada pelo Congresso Nacional, em respeito ao princípio da legalidade estrita, nos termos do artigo 150, I, da Constituição Federal e do artigo 97, do Código Tributário Nacional.

Não se podendo de forma confundir a modificação de alíquota, pela mudança de hipótese de incidência, pois essa exigiria Lei.

Lembramos também que a regulamentação cambial em vigor confirma que stablecoins não se enquadram como “moeda estrangeira”. A Resolução BCB 277/2022 apenas faz referência genérica à compra ou venda de moeda estrangeira, sem contemplar ativos virtuais. Ciente desse vácuo, o próprio Banco Central lançou a Consulta Pública 111/2024 para propor a inclusão de “ativos virtuais denominados em moeda estrangeira” no regime cambial, prova de que o arcabouço atual não os abarca.

Dessa forma, decreto ou ato infralegal que incluísse transações de ativos virtuais configuraria exação sem suporte normativo, e logo inconstitucional em sua origem.

Por último, destacamos que os ativos virtuais foram explicitamente afastados pelo art. 3o da Lei 14.478/2022, que não os equipara a moeda nacional, moeda estrangeira ou valor mobiliário, sendo descabido no atual sistema legal, querer sujeitar as transações com stablecoins (ou quaisquer ativos virtuais) ao IOF.

A Reforma Tributária foi um avanço, mas é fundamental o avanço da Reforma Fiscal e da Reforma Administrativa, não para reduzir serviços essenciais, para dar um basto aos inúmeros privilégios de umas poucas categorias.

Charles Machado

Consultor e Advogado Tributarista, com atuação em Mercado de Capitais.

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