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2º dia do Congresso de Direito Eleitoral aborda fragilidades e desafios de novo Código

O Congresso Catarinense de Direito Eleitoral: Reforma Político-Eleitoral, promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), por meio da Escola Judiciária Eleitoral de Santa Catarina (EJESC), com parceria do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), realizou quatro debates nesta terça-feira (18).

Acesse as fotos do evento.

Pela manhã, cinco painelistas e dois mediadores trataram de Financiamento Político e Prestação de Contas e Partidos Políticos. Já no período vespertino, o evento recebeu sete painelistas e dois mediadores ao abordar o Enfrentamento à Desinformação e a Inteligência Artificial e Propaganda Eleitoral. O evento acontece no auditório do MPSC e possui transmissão ao vivo no canal do YouTube da Justiça Eleitoral catarinense.

Esta divisão dos conteúdos permitiu a continuidade do debate em cada período e a interlocução das ideias entre os painelistas. Confira abaixo um resumo sobre as falas e o registro na íntegra do evento, conforme o período.

 

Financiamento Político e Prestação de Contas; e Partidos Políticos 

A primeira discussão do dia reuniu Ligia Limeira, assessora político-legislativa da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALERN) e consultora; e Denise Goulart Schlickmann, servidora do TRE-SC, nomes envolvidos na elaboração de propostas sobre o tema no Novo Código Eleitoral.A mesateve a mediação do desembargador eleitoral do TRE-SC, Filipe Ximenes de Melo Malinverni.

De início, Ligia Limeira apresentou a realidade da legislação partidária e legislação eleitoral no contexto de financiamento político e prestação de contas e, a partir do presente, levantou o debate sobre qual deve ser a discussão no contexto de uma reforma político-eleitoral.

Paralelamente, Denise Goulart Schlickmann destacou quais dispositivos do Novo Código Eleitoral, precisam de mais atenção e sensibilização do Congresso Nacional. A Reforma do Código Eleitoral iniciou com o Projeto de Lei 112/2021 e foi aprovado na Câmara dos Deputados e, até o momento, o PL está parado no Senado.

Ao tratar da legislação partidária, Ligia Limeira trouxe diversos trechos da lei vigente para exemplificar os gargalos enfrentados pelos diretórios, assim como, ações desempenhadas pelos partidos que se baseiam em brechas da legislação no uso fundo partidário.

Dentre elas, a distribuição de recursos e integridade, também abordada pela colega painelista: “O partido político lança candidatos para alcançar o poder e ele não vai investir recursos em quem não tem condições de se eleger. Mas esses critérios precisam ser transparentes para que toda sociedade possa, efetivamente, acompanhá-los e, eventualmente, fiscalizá-los. Seja do âmbito do Ministério Público Federal, seja do âmbito da própria Justiça Eleitoral”, complementa Denise Goulart Schlickmann.

Já sobre a legislação eleitoral, Ligia Limeira criticou a fixação de critérios para a distribuição dos recursos públicos às candidaturas, especialmente no caso de candidaturas de mulheres, que tende a não receber recursos do partido. Sobre esse tópico, Denise Schlickmann também resgatou que o Código Eleitoral em debate não possui sanções pela não aplicação de destinação de Fundo Partidário às candidaturas femininas.

A participação de mulheres na política já foi abordada na palestra inaugural do evento e o tema Cota de Gênero e Grupos Minorizados também será discutido em uma mesa na tarde de quarta-feira (19), último dia do Congresso.

Como um todo, diversos dispositivos legais foram analisados pelas painelistas que falaram sobre a importância do fortalecimento da transparência e a busca em evitar retrocessos normativos no Novo Código Eleitoral.

 

Partidos Políticos 

Com interlocuções sobre a temática anterior e novos desdobramentos de discussões, a mesa sobre Partidos Políticos contou com Orides Mezzaroba, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Ruy Samuel Espíndola, advogado; Caetano Cuervo Lo Pumo, ex-juiz do TRE-RS, com mediação do desembargador eleitoral do TRE-SC, Marcelo Pizolati.

A partir de diferentes argumentações, os três painelistas trataram sobre a crise de representatividade enfrentada pelos partidos políticos e a dificuldade de identificação dos eleitores às agremiações. De forma complementar, cada um apresentou como essas questões levam ao enfraquecimentos do Estado de Partidos e, consequentemente, ao debate democrático no instrumento base da política.

O professor Orides Mezzaroba explicou que a função do partido político na sociedade está centralizada em dois conceitos, a representação: que é o ato de substituir/agir em nome de alguém; e o mandato: que é a autorização concedida para alguém agir em nome de outra pessoa.

“Em regra, dentro da ideia do Estado de Partidos, a democracia e a formação de políticas públicas, obrigatoriamente, ela inicia dentro dos partidos políticos, porque lá você tem os indivíduos, que vão discutir e o representante representa o partido”, explica. Contudo, a crise na representatividade traduz em um afastamento da sociedade de sua representação.

Esse distanciamento dos partidos e dos filiados também é potencializado por um cenário em que não há uma construção de programas robustos e “cada vez mais, os partidos são usados apenas para cumprir o requisito formal da legibilidade e, depois, você tem um aventureiro trabalhando em nome próprio e fazendo negociatas”, contextualiza Orides.

Os pontos apresentados pelo professor também resgatam uma falta de organização interna dos partidos políticos, que podem representar numa ação autoritária dos diretórios a respeito de seus candidatos, debate também apresentado por Ruy Samuel Espíndola e Caetano Cuervo Lo Pumo.

Para Caetano, “os partidos não podem viver num universo paralelo, eles precisam ser devolvidos às pessoas […]. Não tem sentido os partidos não terem eleições diretas sempre. Tem que ter eleição partidária direta, no regional e no nacional. Além disso, a prestação de contas políticas tem que existir. O partido tem que ouvir o filiado. A gente precisa tentar dar uma reconstruída na estrutura do partido, para que ele seja democrático e possa, então, não ser autoritário”, complementa o ex-juiz.

Complementarmente, o advogado Ruy Samuel Espíndola detalhou um processo, chamado por ele, de autarquização dos partidos políticos. Ele argumenta que esse processo resulta cada vez mais em uma dependência de recursos públicos e, consequentemente, deixa as agremiações mais distantes de seus eleitores e filiados.

“A meta primordial deixa de ser a representação de ideologias, a defesa de programas e a mobilização da sociedade civil, para se concentrar, pragmaticamente, na conquista do maior número possível de cadeiras, garantindo assim o acesso a verbas milionárias. Essa dinâmica tem uma consequência direta e nefasta: a hipertrofia do poder das cúpulas partidárias, em especial os presidentes desses partidos que, sequer, mandato ostentam”, explica.

Além desse ponto, o advogado também trouxe críticas ao Projeto de Lei 3640/2023 que, conforme sua exposição, ameaça o princípio constitucional de controle exercido pelos partidos políticos e abordou o dever de fidelidade nacional dos partidos. Outro debate levantado por Ruy Samuel Espíndola é a prerrogativa de extinção das agremiações como sanção por subordinação a potências estrangeiras.

 

Enfrentamento à Desinformação; e Inteligência Artificial e Propaganda Eleitoral

 

A tarde desta terça-feira (18) no Congresso Catarinense de Direito Eleitoral começou com uma mesa sobre o Enfrentamento à Desinformação, com a participação de Bruno Andrade, assessor da Presidência do CNJ; Eduardo Toledo, advogado; Elder Goltzman, servidor do TRE-SP; e Karine Borges de Liz; servidora do TRE-SC; além de mediação do desembargador eleitoral do TRE-SC, Márcio Schiefler Fontes.

Os quatro painelistas tiveram apresentações convergentes sobre a natureza, o impacto e os desafios do enfrentamento e combate à desinformação, principalmente no contexto eleitoral. Dentre as falas, quatro pontos centrais puderam ser destacados: a complexidade da desinformação; os desafios frente à atuação das plataformas digitais, como as bolhas informacionais; as limitações do Direito em acompanhar a velocidade das mudanças tecnológicas por onde as desinformações são disseminadas; e os impactos na Justiça Eleitoral e na democracia.

Para Karine Borges de Liz, a desinformação é um problema complexo por ser multifatorial e corresponde a um conteúdo enganoso com potencial ofensivo. No contexto eleitoral, ela ataca a normalidade e a legitimidade. Isto é, ataca a garantia de uma eleição limpa e a vontade do eleitor exercida de forma livre e autônoma. Tanto Karine quanto Elder Goltzman destacam que o Novo Código Eleitoral, que está em discussão, ignora (em termos práticos) o fenômeno da desinformação, sendo citado apenas uma única vez em todo o documento.

Nesse contexto, Karine Borges de Liz defende que o caminho de enfrentamento é a partir do resgate da cidadania e da centralidade no Direito: “O principal amálgama da desinformação é que ela dá um sentido de pertencimento a cada tribo. E ela recrudesce um pensamento muito simplório e muito verdadeiro: é muito fácil falar mal de quem você não gosta e de quem você não conhece. Se as pessoas não entenderem o que de fato é um processo eleitoral […] é muito fácil atirar pedra. A Justiça Eleitoral não faz eleição, a Justiça Eleitoral organiza a eleição. Quem faz eleição é o cidadão e ele tem responsabilidade em quem coloca lá e se fiscaliza ou não”, argumenta.

A lógica de ataque aos pleitos é explicada por Bruno Andrade: “A eleição é a ponta do iceberg em relação ao uso da desinformação para fragilizar o regime democrático como todo. ‘Eu vou enfraquecer a instituição que cuida das eleições, com isso, eu enfraqueço o resultado das eleições e, por consequência, eu fragilizo o regime democrático que está sustentado nessa troca de mandatos’”.

Ele também explica como a disseminação da desinformação é potencializada pela lógica de negócio das plataformas digitais, que criam bolhas informacionais com uma falsa sensação de ambiente de livre debate, quando, na verdade, a plataforma digital é um ente privado “que tem interesses particulares e comerciais e que, em grande parte das vezes, não está alinhado a um valor democrático. Está alinhado a fazer seu negócio rodar. […] Em reter a pessoa por mais tempo na sua plataforma para coletar dados e trazer para seu anunciante uma informação mais detalhada desse perfil, e pouco importa se isso é feito a partir de uma desinformação ou não. Pouco importa se isso vai interferir de forma direta ou não em uma eleição, ou na legitimidade democrática”, complementa.

A partir desse contexto, Elder Goltzman argumenta como o enfrentamento à desinformação assume, como a palavra já evoca, um sentído ‘bélico’. Enquanto a Justiça Eleitoral vê-se na mira de críticas vindas de diversos lados, o servidor do TRE-SP aponta a necessidade de olhar mais para o Legislativo. “A gente não tem uma lei pra tratar desse fenômeno [desinformação]. No lugar de ‘bater’ na Justiça Eleitoral, a gente tem que dar ‘graças a deus’ dela bater essa bola no peito e resolver o problema”, destaca.

Apesar da Justiça Eleitoral já buscar formas para lidar e enfrentar a desinformação, Eduardo Toledo relembra que esse é um processo contínuo, já que esse fenômeno não é novo. O desafio atual é acompanhar a velocidade de cada novidade tecnológica do momento, aspecto que converge com o tema seguinte do Congresso, sobre Inteligência Artificial e Propaganda Eleitoral. “Sempre existiu desinformação, mas a cada nova tecnologia foi trazendo um desafio novo a respeito de como lidar com isso. E a dinâmica é tão grande que a cada eleição nós vamos precisar lidar de uma forma diferente a respeito desse assunto”, finaliza.

Inteligência Artificial e Propaganda Eleitoral 

A relação entre Inteligência Artificial (IA) e propaganda eleitoral foi um dos temas abordados na tarde desta terça-feira (18) no Congresso Catarinense de Direito Eleitoral. A mesa reuniu os especialistas Mauro Antônio Prezotto, advogado; Fernando Neisser, advogado; e Marcos Rafael Coelho, servidor do TRE-MS, para discutir como as novas tecnologias têm alterado a dinâmica da comunicação política, ampliando oportunidades, mas também exigindo atenção redobrada da Justiça Eleitoral, dos partidos e dos próprios eleitores. A mediação foi feita pela desembargadora eleitoral do TRE-SC, Luiza Cesar Portella.

A mesa reforçou que a incorporação de tecnologias no processo eleitoral exige equilíbrio: aproveitar as vantagens da inovação sem permitir que abusos comprometam o direito fundamental do eleitor de escolher livremente seus representantes. A transparência, a cooperação entre instituições e o estudo contínuo do tema foram apontados como caminhos para enfrentar os desafios já presentes e os que ainda surgirão.

O advogado Mauro Antônio Prezotto abriu o debate destacando que a propaganda eleitoral é um direito não só dos candidatos, mas também do eleitor, pois permite conhecer propostas, comparar alternativas e escolher seus representantes de forma consciente. Para ele, embora a mentira e a desinformação não sejam novidades, a velocidade e a sofisticação das ferramentas tecnológicas, especialmente as de IA, ampliam o impacto que conteúdos manipulados podem ter sobre o processo de decisão do eleitor.

Prezotto defendeu que o uso de IA na propaganda não deve ser visto como um problema em si, desde que haja transparência. O ponto crítico, afirmou, está na distorção desses instrumentos, como deepfakes capazes de manipular a vontade do eleitor por meio de áudios, vídeos ou textos falsos, influenciando escolhas que ele não faria em condições legítimas.

Ele ressaltou ainda a necessidade de uma atuação forte da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e de todos os atores do sistema, lembrando que “a propaganda eleitoral deve ser plena e assegurada, mas não ilimitada, sobretudo quando há risco de interferência indevida na liberdade de escolha do cidadão” explica.

Em seguida, o advogado Fernando Neisser enfatizou que a mentira sempre fez parte da política, mas a tecnologia potencializou sua disseminação e capacidade de convencimento. Ele explicou como os algoritmos de recomendação e o perfilamento (prática de segmentar usuários com base em características e comportamentos) permitem direcionar mensagens altamente personalizadas para grupos cada vez menores.

Enquanto essa lógica funciona bem no marketing comercial, Neisser alertou que, no contexto eleitoral, o microdirecionamento representa um desafio: “Quanto mais personalizada a mensagem, maior o poder de convencimento”, conta. Para ele, nesse sentido, esse salto tecnológico tornou redes sociais mais influentes que rádio e televisão, justamente porque conversam diretamente com o perfil individual, moldando percepções e reforçando bolhas informacionais.

Já o servidor do TRE-MS, Marcos Rafael Coelho, trouxe a perspectiva operacional e institucional da Justiça Eleitoral. Ele classificou a IA como “revolucionária”, mas frisou os riscos envolvidos — sobretudo no uso de deepfakes em campanhas. Segundo ele, a dificuldade em distinguir conteúdos verdadeiros de manipulações sofisticadas exigirá respostas rápidas, especialmente nos pedidos de remoção de conteúdo durante o período eleitoral.

Marcos destacou que magistrados não podem recorrer a ferramentas externas de checagem, o que tem levado tribunais a desenvolver soluções próprias, em parceria com universidades. Para ele, a Justiça Eleitoral precisa se preparar para acompanhar um cenário em que “a IA muda todo dia”, garantindo os meios para preservar a democracia e a integridade do pleito.

Programação do Congresso Catarinense de Direito Eleitoral

Além dos temas já retratados, o Congresso ainda abordará os demais temas nesta quarta-feira (19): Processo Eleitoral; Direito Eleitoral Sancionador; Cota de Gênero e Grupos Minorizados; e Inelegibilidades. Os detalhes sobre a programação e cada painelista estão disponíveis aqui. 

Programa Qualifica

O evento foi chancelado pelo Comitê Gestor do Qualifica, programa interinstitucional que reúne, além do TRE-SC, da ALESC e do MPSC, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Federação de Consórcios, Associações de Municípios e Municípios de Santa Catarina (FECAM) e a Federação das Câmaras de Vereadores de Santa Catarina (UVESC).