Por Nícola Martins*
Aprovada sob o discurso de modernização, a reforma tributária brasileira traz um efeito colateral brutal, que poucos estão querendo encarar de frente: centenas de cidades, especialmente as que vivem de indústria e guerra fiscal, vão desaparecer economicamente. A lógica que sustentou o desenvolvimento municipal nas últimas décadas simplesmente colapsa quando a arrecadação migra do local da produção para o local do consumo. E não adianta fingir que não é com você: é com todo mundo.
O modelo de “cidade-fábrica”, que sobreviveu décadas ancorado em incentivos fiscais, chegou ao fim. A indústria não vai mais gerar riqueza para os territórios da mesma forma. As prefeituras que viveram de ISS e ICMS de grandes plantas industriais verão sua base de arrecadação ruir. Sem receita, não há serviço público. Sem serviço, não há qualidade de vida. Sem qualidade de vida, não há gente. E sem gente, não há cidade. Simples assim. Isso não é uma previsão catastrófica. É um fato matemático, estrutural e inevitável.
E aqui entra um ponto crucial, que poucos têm coragem de dizer em voz alta: algumas cidades, inevitavelmente, terão que ser incorporadas a outras. Será um movimento na contramão do que aconteceu na segunda metade do século passado, quando o Brasil viveu um surto de emancipações, criando centenas de municípios na base da política, da pressão local e da promessa de desenvolvimento próprio. Agora o jogo virou. A lógica é oposta. Onde não há mais capacidade de gerar receita e manter serviços básicos, a fusão municipal deixa de ser uma opção e passa a ser uma necessidade. É matemática pura, novamente.
Diante desse cenário, surge uma verdade desconfortável: cidade que não oferece qualidade de vida, inovação, educação, tecnologia e bem-estar não tem mais lugar no mapa do desenvolvimento. Acabou o ciclo da dependência industrial na forma que conhecemos hoje. O futuro das cidades está em indústria 4.0, nos serviços, na economia criativa, no turismo, na tecnologia, na sustentabilidade e na capacidade de ser um bom lugar para viver. Quem não entender isso agora vai pagar um preço altíssimo na próxima década.
Se você é gestor, vereador, liderança empresarial ou cidadão atento, entenda: a era das cidades-indústria acabou. Estamos entrando na era das cidades-serviço, das cidades-inovação, das cidades-vivência. O desafio não é pequeno, mas é a única saída. Quem liderar esse processo agora vai ser protagonista do futuro. Quem ignorar, vai simplesmente desaparecer do jogo — e, talvez, do mapa.
————– *Nícola Martins é Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico, vereador em Criciúma (SC) e professor de Administração Pública da UNESC. Também atua com consultoria na área de gestão pública.