Segundo coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), modelo estimula proximidade com as bases, mas deve ser debatido com cautela
A proposta de implantação do voto distrital misto para as eleições a partir de 2030 voltou à pauta do Congresso Nacional e reacendeu o debate sobre os impactos de uma possível reforma política no sistema eleitoral brasileiro. O modelo, que combina o sistema proporcional com o voto por distritos eleitorais, tem sido apresentado como uma forma de reduzir a fragmentação partidária e aproximar o eleitor de seus representantes.
De acordo com Sidney Neves, coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e procurador-especial de Direito Eleitoral da OAB Nacional, o retorno da discussão ocorre em um momento oportuno, mas o argumento que sustenta a proposta ainda precisa ser melhor avaliado.
“A justificativa de que o voto distrital misto limitaria o acesso do crime organizado aos espaços de poder precisa ser verificada e aferida para que sua validade seja confirmada. Ainda assim, considero salutar o retorno desse debate, especialmente diante das experiências bem-sucedidas em outros países, como a Alemanha”, afirma o especialista.
Segundo ele, o modelo distrital misto pode contribuir para fortalecer o vínculo entre o representante eleito e sua base local, sem perder de vista pautas de interesse nacional. “O sistema tem o mérito de aproximar o político de sua localidade, tornando-o reconhecido como alguém que atua em favor da comunidade que o elegeu. Ao mesmo tempo, o voto proporcional garante a presença de temas mais amplos, como saúde, educação e representação de segmentos sociais e profissionais”, explica.
O que está em discussão
O voto distrital misto, modelo atualmente em análise pela Câmara dos Deputados, propõe dividir as vagas de deputados e vereadores da seguinte forma: metade seria ocupada pelos mais votados em cada distrito, enquanto a outra metade seria preenchida conforme o desempenho dos partidos, com base em listas fechadas.
A proposta, inspirada em modelos europeus e norte-americanos, foi retomada após anos de paralisação e é defendida por parte da bancada do Centrão como uma forma de aproximar o eleitor de seu representante, reduzir o custo das campanhas e preservar a proporcionalidade partidária. Apesar das vantagens, o sistema também desperta críticas.
Alguns especialistas apontam que o voto distrital pode reforçar práticas de clientelismo eleitoral, concentrando esforços em demandas pontuais de curto prazo em detrimento de políticas públicas estruturantes. Projetos relevantes nas áreas da saúde, educação e desenvolvimento econômico poderiam, nessa perspectiva, ser deixados de lado.
Outros desafios incluem a complexidade do sistema para eleitores e candidatos, o risco de manipulação na definição dos distritos eleitorais e a resistência de partidos que atualmente se beneficiam do modelo proporcional vigente. Sidney observa que, no formato original do sistema distrital misto, o eleitor realiza dois votos um para o candidato do distrito (voto majoritário) e outro para o partido (voto proporcional), que define a distribuição das vagas conforme o desempenho partidário. “No modelo clássico, o voto duplo é justamente o que assegura equilíbrio entre representatividade local e proporcionalidade partidária”, pondera.
Para o coordenador-geral da ABRADEP, a eventual adoção do modelo poderia contribuir para reduzir a pulverização partidária e fortalecer as bases de apoio parlamentares, mas requer ampla análise e debate público. “Nenhum sistema é perfeito, mas o distrital misto pode oferecer uma representação mais genuína da sociedade brasileira, desde que implementado com responsabilidade, transparência e clareza sobre seus efeitos”, conclui.
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