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A Revolução Judiciário Catarinense nos Terrenos de Marinha

 

Uma verdadeira revolução jurídica vem se desenhando em Santa Catarina — e passa quase despercebida fora dos círculos técnicos. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) protagonizou uma mudança inédita no país ao redefinir a forma como os cartórios catarinenses devem lidar com os terrenos de marinha.

Antes de qualquer equívoco: o Tribunal não alterou a legislação federal sobre o tema — que continua regida, entre outras normas, pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946. O que o TJSC fez foi estabelecer novas diretrizes para a atividade registral e notarial dentro do Estado, alinhando a prática dos cartórios à realidade fática e jurídica das demarcações conduzidas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Em termos simples, o Tribunal de Justiça disse aos cartórios: “Considerem como terrenos de marinha apenas as áreas em que a União efetivamente concluiu o seu trabalho técnico.”
Ou seja, só podem ser tratadas como áreas de marinha aquelas em que:

Houve o desenho técnico da linha do preamar médio (a chamada demarcação);

Essa demarcação foi homologada pela SPU (conforme a IN SPU nº 28); e

Há indicação expressa na matrícula imobiliária de que a demarcação foi finalizada (eis uma das novidades trazidas pelo Provimento nº 49 do CGJTJSC).

Em outras palavras, para fins cartoriais, em Santa Catarina, um imóvel só será considerado terreno de marinha se a União já tiver aberto matrícula em seu próprio nome — o que somente ocorre após todas essas etapas técnicas estarem concluídas.

A resolução do TJSC é, em essência, um ato de racionalidade jurídica e eficiência administrativa. Ela resolve uma distorção histórica: por décadas, cidadãos e empreendedores foram penalizados pela morosidade da União em concluir as demarcações — o que travava negócios, inviabilizava incorporações e deixava famílias em insegurança jurídica.

Agora, Santa Catarina inverte essa lógica.

O alcance da alteração é impressionante. O novo provimento do TJSC autoriza inclusive o reconhecimento extrajudicial de usucapião em áreas supostamente de marinha, desde que não tenham sido objeto de demarcação finalizada pela União.
O provimento traz aidna reflexos diretos nas incorporações imobiliárias, pois, se determinada área ainda não foi reconhecida oficialmente como terreno de marinha, o cartório não pode exigir manifestação prévia da União para registrar empreendimentos ali.

É claro que, no momento em que a SPU concluir a demarcação, o direito da União será respeitadp — e o provimento catarinense também prevê esse cenário, resguardando o patrimônio público.

Daí a importância de em paralelo tramitar o que for necessário junto à SPU.

Entretanto, em vez de esperar indefinidamente o término do processo de aforamento — que pode levar mais de meia década —, o interessado pode avançar com a incorporação imobiliária e, em paralelo, protocolar o pedido de aforamento junto à SPU.

Importante frisar: o provimento não dispensa a regularização junto à União. O aforamento ou a inscrição de ocupação continuam obrigatórios. O que muda é o ritmo do processo, com ganho real de tempo e previsibilidade.

Do ponto de vista jurídico, o provimento é uma aula de equilíbrio institucional. Ele mantém a autonomia da União, garante a efetividade do registro público e reforça a segurança jurídica — pilares essenciais para o mercado imobiliário e para o próprio Estado.

Além disso, abre espaço para uma discussão relevante: o fato de que a autorização legislativa para a SPU classificar áreas como terrenos de marinha expira em 31 de dezembro de 2025. O tema promete novos debates e possíveis redirecionamentos da política patrimonial da União.

Assim, o provimento do TJSC é mais do que uma norma técnica.
É um ato de justiça prática — que traz clareza, protege o interesse público e deixa de penalizar o cidadão pela inércia estatal.
Em tempos de insegurança jurídica e morosidade burocrática, Santa Catarina dá um exemplo de como a inovação pode nascer dentro do próprio Judiciário, transformando silenciosamente a relação entre o Estado, o cidadão e o direito de propriedade.