Blog do Prisco
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Advocacia Criminal e Sentença Anônima

Ressalto que o objetivo que se tem em mira, de conseguinte, é a crítica de preceitos existentes, além da propositura de ditames recomendáveis para a regência da matéria, com o seu brevíssimo retorno às garantias elencadas na Constituição Federal. Pretendemos cifrar-nos a um plano técnico-jurídico, dentro do amplo versículo do anonimato, a eterna preocupação em se respeitar a Carta da República e o absoluto respeito ao exercício profissional da advocacia.

Já vem de longe a ideia de que a insegurança social é alarmante, atingindo inclusive membros do Poder Judiciário, que, com escopo em Leis Complementares Estaduais e Resolução da própria Corte de Santa Catarina, além de razões de Processo Administrativo, adotou medidas de segurança pessoal dos eminentes magistrados e auxiliares.

Pois bem. O TJSC, através da Resolução 7, de 7 de maio transato, criou a Vara Estadual de Organizações Criminosas, definidora de composição e competência, além de outras providências, e em seu art. 3º alude que é composta de 5 (cinco) juízes de direito titulares.

Basicamente, entre as competências privativas e concorrentes, os magistrados além de processar e julgar os ilícitos praticados por Organizações Criminosas, cabe verificar autos de flagrante, abusos de autoridades, habeas corpus, mandados de segurança, relaxamento de prisão em flagrante, inter alia, porém, com considerações confusas como se vê dos ditames do art. 4º, § 2º, II, III e IV, seguindo na adoção de outras medidas.

Chama atenção o disposto no art. 9º, onde já em seus pps. 2º e 3º, a meu juízo, são inconstitucionais, pois estabelecem a anonimização dos atos praticados pelos juízes, isto é, sem identificá-los nos processos, enfim, procedimentos regidos através da impessoalidade, com fruto em ilegalidade, havendo, ainda, sem nenhum rubor, de considerar que esse documento macula o princípio constitucional da igualdade.

Mencionada Resolução ignorou, e não poderia, dispositivos como a proibição do anonimato (art. 5º, IV da CF); e a transparência, este tomando por rumo a claridade da administração pública, que dispensam maiores digressões, além das normas ordinárias encontradiças nos arts. 252 (impedimento) e 254 (suspeição) do Código de Processo Penal, apenas figurando esses cânones em seu art. 10º, sem conferir ao demandado ou seu defensor arguir este tipo processual de enorme valia, que fere a ampla defesa, sem contar os prejuízos causados ao Advogado e suas prerrogativas elencadas na Lei nº 8.906/94, o ESTATUTO DOS ADVOGADOS.

Data vênia de pensamentos diversos, considero ainda a falta de transparência, sem falar no juiz natural, uma regressão a termos antigos postos na Carta de 1988, representa o direito do réu em saber quem o processa e o sentencia, além dos servidores, dos auxiliares, sem garantia de qualificar a sentença, que, ao contrário, pode até permitir ofensa ao réu.

Forçoso é, pois, concluir, pela existência preocupante dessas normas inconstitucionais e arbitrárias contidas na RESOLUÇÃO 7, atufando, v.g., mesmo a fundamentação da sentença ao descartar a identidade do sentenciante, em evidentíssima homenagem ao anonimato. Trata-se ainda de controlar não apenas as fontes do convencimento, mas também como aponta saraceno (La decisione sul fatto incerto nel processo penale, 1940, 12), a coerência do estado psíquico do juiz no corpo da sentença e seus argumentos.

A violência sob a óptica do Universo Penal é um tema abrangente que possibilita várias interpretações, inclusive de criminólogos como HENRY ELLENBERGER, canadense, que anotou o crime como ato geralmente interditado pela lei, mas resultante de complexos processos de ordem sociológica, psicológica e biológica. A criminologia é um tema a ser mais bem discutido no país para conceituar as atividades criminosas, a definição de Organizações Criminosas, por exemplo, as mudanças sociais, porque, assim, a repressão penal e a segurança judicante serão ineficazes com os ditames da RESOLUÇÃO 7.

Sem visão radical, o equacionamento jurídico para resguardar a integridade física de membros do judiciário, embora assunto relevantíssimo, não se admitindo a menor justificativa para esse procedimento.

No Brasil, por suas Escolas, salvo uma ou outra posição diferenciada, tem-se que o direito penal é uma ciência normativa, finalística e intimidativa, para muitos decadentes, visto que, na prática, na duríssima realidade da defesa criminal, há indesmentível cerceamento, cujo modelo vem do Supremo Tribunal Federal, em seu inquebrantável desrespeito à Constituição, agora mesmo validando audiência sem a presença do Ministério Público.

Longe da impertinência como se interpreta o art. 8º, V, a sentença é anônima, mas não a assinatura do mandado de prisão ? Parece também que o Ministério Público por igual não tem condições de arguir o impedimento ou a suspeição dos magistrados.

Como se sabe, o processo é o conjunto de atos praticados pelas partes, ou interessados, e o juiz que, entrelaçados, têm por objetivo servir de meio para a concretização da prestação jurisdicional. Essa é norma constitucionalmente assegurada a qualquer cidadão, dentre eles identificar o sentenciante, porquanto o Estado, proibidos está proibido de se valer do anonimato, de “sentença sem rosto”.

                     Há muito se tem alertado para os efeitos perversos da malsinada consagração do direito penal autoritário, que se verifica em países ditatoriais, onde o respeito aos direitos humanos, à democracia e à dignidade humana são peças decorativas e a advocacia é um faz de conta, quase inútil.

 

O direito penal não é instrumento de justiça social senão quando seja expressão dos interesses populares, igualitários e constitucionais, cabendo ao advogado também defender esses direitos.

No Brasil será necessário promover simultaneamente a reorganização da justiça em todas as acepções do termo, e a educação do povo para a vivência dos direitos, como pregava o ilustre jurista NELSON SALDANHA já em 1980.

Sem legitimidade não há justiça autêntica, nem justiça social possível.

A crise da legitimidade constitucional, da insegurança jurídica vivida, permite que RESOLUÇÕES como esta pareçam mera alteração administrativa, abstraídas de quaisquer preocupações com a Carta Magna e o CPP, cassando direitos do cidadão, e tornando quase impossível o exercício da advocacia, outrora símbolo de prestígio, hoje atirado às traças.

Há motivos constitucionais para cassar essa Resolução.  Sentença anônima, sem rosto, não vale.

Criou-se, consequentemente, verdadeira disparidade entre a Constituição Federal e a Resolução, que deveria estar comprometida com a fidelidade magna.

Urge, de imediato, revogar essa Resolução.

 

Leoberto Baggio Caon
Escritório Associados