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Bets, a Tributação do Pecado

 

As apostas esportivas online transformaram radicalmente o cenário de entretenimento e consumo no Brasil nos últimos anos. Popularizadas sob o nome de “bets”, essas plataformas têm atraído milhões de brasileiros e movimentado cifras bilionárias, ao mesmo tempo em que ampliam desafios regulatórios e fiscais. O tema ganhou destaque especial pela chamada “tributação do pecado”, conceito econômico que prevê a imposição de impostos elevados sobre atividades potencialmente nocivas à sociedade, como o consumo de álcool, tabaco e jogos de azar.

Através campanhas publicitárias sofisticadas, patrocínios esportivos e a promessa de ganhos rápidos que seduzem diversos segmentos da população, as bets online se tornaram, em pouco tempo, um fenômeno popular.

Para termos uma dimensão desse fenômeno colocado em números, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada entre abril e maio de 2025 e que entrevistou 2 mil pessoas, três em cada quatro brasileiros que apostaram online utilizaram plataformas ilegais. Este dado impressionante revela que, apesar da regulamentação vigente desde outubro de 2024, que permite apenas a operação de bets autorizadas pelo governo, a maior parte do mercado ainda está à margem da lei, o que pode dar a dimensão do desafio da Receita e do banco central no travamento dessas operações ilegais que por incrível que pareça utilizam instituições de pagamento em sua maioria sediadas no Brasil.

A mesma pesquisa revela que 77% dos apostadores em plataformas ilegais concentram a maior parte ou a totalidade dos gastos nessas opções, ignorando o mercado regularizado, o que implica em uma elevada sonegação fiscal. A massificação do acesso, especialmente por meio de smartphones e redes sociais, acelerou o crescimento do setor e tornou cada vez mais difícil o controle estatal sobre os operadores ilegais. O estudo também revela que entre 41% e 51% do mercado de apostas no país é ilegal, resultado de um sistema de fiscalização ainda frágil e de uma demanda crescente por alternativas fora das regras estabelecidas.

O fenômeno das bets ilegais traz consigo uma grave consequência econômica: a evasão fiscal. Com uma carga tributária estimada em 27%, a ausência de arrecadação proveniente das bets não regulamentadas representa uma perda significativa para os cofres públicos. Estimativas apontam que, somente entre fevereiro e abril de 2025, a União deixou de arrecadar entre R$ 1,8 bilhão e R$ 2,7 bilhões. No acumulado anual, esse valor pode atingir R$ 10,8 bilhões perdidos, valor que poderia ser revertido em políticas públicas de educação, saúde e segurança.

O tamanho do mercado ilegal é impressionante: em um único ano, pode movimentar até R$ 40 bilhões, número superior ao mercado regulado, estimado em R$ 38 bilhões. Este cenário de competição desleal não apenas mina os esforços de fiscalização, mas também incentiva práticas de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção. Além disso, a não tributação das bets ilegais aumenta a vulnerabilidade social, pois impede o financiamento de campanhas de conscientização e prevenção voltadas para o jogo responsável.

O problema não está apenas na questão fiscal, e logo os desafios da regulação: proteção ao consumidor e vulnerabilidade social se avolumam.

Pois ao mesmo tempo em que a tributação sobre apostas objetiva arrecadar, ela também possui finalidade extrafiscal, quando procura desestimular o “consumo excessivo”, bem como procurar proteger os segmentos mais vulneráveis da sociedade. O uso de bets ilegais é particularmente elevado entre jovens de 18 a 29 anos (83%) e em regiões como o Centro-Oeste (82%). Entre pessoas de menor renda e escolaridade, a incidência é ainda maior, principalmente pela ausência de recursos de proteção oferecidos por plataformas regulamentadas.

Os riscos são múltiplos: plataformas oficiais oferecem ferramentas como reconhecimento facial, limites de perdas e alertas de comportamento de risco, recursos raramente encontrados em bets ilegais. A falta dessas salvaguardas contribui para o surgimento de problemas como dependência, prejuízos financeiros graves e exposição a fraudes. O estudo mostra que 46% dos apostadores já depositaram dinheiro em sites que depois descobriram ser falsos ou irregulares, resultado da dificuldade em identificar a legalidade das plataformas, 78% relatam esse desafio e 72% admitem não verificar sempre as informações para garantir a legalidade.

O combate às bets ilegais exige ações integradas de fiscalização, educação, tecnologia e cooperação internacional. É fundamental envolver órgãos reguladores, operadores de telecomunicações e representantes do Legislativo para criar sistemas de monitoramento mais eficientes e promover campanhas educativas que orientem os apostadores sobre os riscos do mercado irregular.

A chamada “tributação do pecado”, cobrar impostos elevados sobre produtos e serviços considerados prejudiciais, é uma estratégia utilizada em diversos países para limitar o consumo e aumentar a arrecadação. No Brasil, o modelo busca equilibrar os interesses fiscais com a proteção do cidadão. No entanto, diante da força do mercado ilegal, o sucesso dessa abordagem depende da capacidade do Estado de fiscalizar, informar e inovar em políticas públicas.

É preciso reconhecer que a tributação isolada não basta. Sem fiscalização efetiva, tecnologia de ponta e mobilização social, as bets ilegais continuarão a prosperar. O desafio é criar um ambiente seguro para o apostador e garantir que os recursos arrecadados sejam destinados à promoção da saúde pública, educação financeira e prevenção da ludopatia.

O fato é que o fenômeno das bets online no Brasil é multifacetado, envolvendo questões econômicas, sociais, políticas e éticas. A tributação do pecado se apresenta como uma ferramenta importante, mas não suficiente, para enfrentar a complexidade do setor. O Estado, o mercado e a sociedade precisam unir esforços para garantir que a arrecadação fiscal seja acompanhada de medidas de proteção ao consumidor, educação e fiscalização rigorosa.

Nesse momento o governo tenta acelerar a votação de um projeto de lei, através de um pedido de urgência, para aumentar a taxação das apostas on-line.

A urgência permite que o projeto salte as demais comissões e siga direto ao plenário. O texto eleva a alíquota cobrada sobre a receita bruta das apostas, atualmente em 12%, para um patamar entre 24% e 25%. Será que um aumento na tributação não vai apenas estimular as apostas ilegais?

Charles Machado