Após longos oito anos de tramitação no Congresso Nacional, finalmente foi aprovado o projeto de lei que cria e tipifica a figura do devedor contumaz, conhecido desde priscas eras como sonegador de impostos, que agora fica sujeito a punições mais rigorosas, e assim acaba por distinguir a inadimplência do expediente que cria estruturas societárias sequenciais com o único propósito de não pagar tributos.
Pressionados pela divulgação da mídia tradicional de uma série de operações da Polícia Federal, do Fisco e de Ministérios Públicos Estaduais que não deixaram dúvidas sobre a estratégia de negócios das gangues travestidas de grupos empresariais, o Congresso nacional, através das suas duas casas legislativas depois de longa e inexplicável resistência em pautar a votação do projeto, cumpriu o seu papel de zelar pela ordem econômica e pelo bem-estar da sociedade.
Nas próximas horas o presidente deve sancionar a Lei que prevê a baixa do CNPJ de empresas identificadas como devedoras contumazes, em âmbito federal, com dívida injustificada superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio; nos níveis estadual e municipal, quem tem dívidas tributárias por pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados no prazo de 12 meses sem justificativa.
E quanto aos sócios dessas empresas? Tudo caminha para que as pessoas físicas dos quadros societários desses CNPJs sejam também responsabilizadas e punidas. O foco maior está em uma estrutura tomada pelo crime organizado, contaminando diversos setores econômicos, e que também chegou ao mercado financeiro servindo de ligação entre o crime organizado e a economia formal. Como foi evidenciado pela Receita Federal na Operação Carbono Oculto, onde a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) usava mais de mil postos de combustíveis em dez Estados e controlava 40 fundos de investimentos para lavar dinheiro.
A lei deve seguir o caminho de outros encaminhamentos da Receita Federal que já havia proposto a criação de um Cadastro Federal do Devedor Contumaz (CFDC) para listar, com base em critérios objetivos, os contribuintes que, que agem de má-fé e que fazem da inadimplência a sua “estratégia” de negócio. Uma vez inseridos nessa espécie de lista do nome sujo, os controladores dessas companhias, caso cometam crimes tributários e sejam condenados, não teriam mais o direito de extinguir a punição ao realizar o pagamento do imposto devido, o que aumentaria as chances de prisão.
Ao mesmo tempo a ideia também será estabelecer diretrizes para os programas de conformidade, para premiar os bons pagadores de impostos, bem como ampliar o controle sobre os benefícios fiscais recebidos por empresas. É de se destacar que o foco não será o micro, pequeno ou até grande empresário, e nem mesmo o devedor recorrente, mas sim o devedor “qualificado”, que tenha uma dívida considerada irregular superior a R$ 15 milhões e que atenda a alguns requisitos, como destacamos. A dívida também precisa existir por mais de um ano. Ou seja, não foi um acidente. Ele não se deu ao trabalho de entrar com recurso administrativo, que já suspenderia (o débito). Ou, terminou o processo, e ele não garantiu em juízo.
A Receita Federal estima que mil empresas, o que representa 0,005% dos 20 milhões de contribuintes pessoa jurídica – se encaixem nesses critérios, sendo que juntas, elas somam R$ 100 bilhões em débitos, o que é um cálculo conservador, pois invariavelmente outros passivos ocultos podem e devem ser encontrados no processo de fiscalização, já para o relator da proposta no Senado, Efraim Filho (União Brasil-PB), a nova Lei busca reverter um prejuízo estimado em R$ 200 bilhões acumulado na última década em impostos não pagos. O parlamentar estima que, com as novas regras, entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões possam ser recuperados por ano.
A nova lei, acompanha um caminho iniciado ao longo de 2023, o que está registrado como ano de “estruturação e recomposição”, com uma série de avanços como a aprovação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária sobre o consumo; retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e aprimoramentos na tributação dos fundos fechados e offshores, com um rigoroso tratamento. Lembramos que outras medidas adotadas já haviam sido adotadas durante os anos anteriores e que resultaram em simplificação e justiça fiscal; recomposição da base de arrecadação e redução de litígio (com grandes ações autorregularização ao longo do período, nas quais o diálogo e a orientação da Receita resultaram na conformidade dos contribuintes, antes mesmo de chegar às fases de fiscalização e autuação).
No momento o pilar da “Conformidade” conta com três programas: Confia [Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal], Sintonia [Programa de Estímulo à Conformidade Tributária] e OEA [Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado].
O Confia prevê ações de cooperação e diálogo, critérios quantitativos e qualitativos, onde os contribuintes aderem voluntariamente e participam do diálogo com a Receita Federal, um programa já conhecido por grandes empresas.
O Sintonia que estimula boas práticas e regularidade, aberto a todos os contribuintes, de forma universal, promovendo a lógica da conformidade. Com forte sustentação tecnológica, o programa em fase avançada permitirá classificar contribuintes, de acordo com o grau de conformidade de cada um. E o OEA que é focado no fortalecimento da cadeia de suprimentos e estímulo à regularidade. Esse sistema contará com diferimento no pagamento de tributos aduaneiros, assegurando prioridade no desembaraço alfandegário.
Por fim, o pilar “devedor contumaz” mira nos contribuintes que deixam de pagar o que devem por estratégia para fugir do fisco. Ou seja, não foca nem mesmo no caso de inadimplentes recorrentes, que podem enfrentar sucessivas dificuldades, mas nem assim deixam de tentar regularizar sua situação com a Receita.
É importante destacar, que as dificuldades existem e elas devem ser um momento estratégico de reflexão, para identificar ou não a viabilidade do negócio, por mais doloroso que seja por vezes a continuidade de um negócio sem poder de competitividade pode levar, o patrimônio da empresa, dos sócios e herdeiros, além de em muitos casos levar o empresário a conhecer o tortuoso caminho do processo penal.









