Dizem os financistas que “tributo bom é tributo velho”, claro que essa frase carrega consigo a lógica que alguns tributos depois de muitos anos em vigentes já passaram pela peneira de um contencioso longo e que a maior parte das suas controvérsias já foram dirimidas pelo judiciário, porém no caso brasileiro, esse contencioso sobre o nosso carnaval tributário, nos dizeres de Becker tem números assustadores.
De acordo com um levantamento realizado no fim de 2024 pelo Núcleo de Pesquisas e Tributação do Insper, com base em dados disponíveis, o contencioso tributário entre contribuintes e o Estado brasileiro (União, Estados e Municípios) é de aproximadamente R$ 5,7 trilhões, número que é a soma do contencioso administrativo e judicial. Um número é ainda mais assustador quando levamos em conta que isso corresponde a quase 80% do PIB brasileiro, o que só acentua a necessidade do aperfeiçoamento dos instrumentos de resolução do contencioso tributário.
No mesmo estudo do Insper, os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade prioritária de o País melhorar o sistema de cobrança de impostos sobre o consumo, responsável por mais de dois terços do enorme contencioso. Diante dos 16 anos de duração média de cada processo, não é difícil identificar porque o Brasil encontra tanta dificuldade em atrair e reter investidores.
E a Reforma Tributária vai diminuir esse número?
É claro que não, pelo contrário, no primeiro momento ela deve ampliara consideravelmente, ainda que no médio e longo prazo tende a diminuir consideravelmente, tudo é claro que fica na dependência da regulamentação da Reforma, e é justamente ai onde nascem os problemas.
A ação de lobbies dos mais diversos, que foram sendo incorporados pelos parlamentares em benefício dos grupos A ou B, acaba criando muitas zonas cinzentas para o debate e é ai que nasce a possibilidade de novos contenciosos.
A reforma tributária do consumo nem mesmo entrou no período de transição e já há um consenso de que ela deve ser fonte de judicialização, em que pese a vitoriosa simplificação do sistema tributário realizado por ela.
Embora se reconheça que as novas regras simplificam o sistema tributário, alguns pontos dela tem tudo para levar fisco e contribuintes ao Judiciário em litígios que podem perdurar por décadas. Entre eles estão as regras do split payment, do Imposto Seletivo, o condicionamento do direito ao crédito ao pagamento da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) pelo fornecedor e a falta de um sistema integrado para cobrar e julgar os novos tributos.
O primeiro ponto estimulador de novos conflitos nasce da convivência até 2033 de dois sistemas tributando o consumo, o que dependendo do rigor dos textos da sua regulamentação ensejam dúvidas interpretativas e logo o judiciário deve ser chamado a dirimir esses conflitos de interpretação.
O segundo ponto estimulador, se dá pela falta de integração na cobrança e no julgamento dos novos tributos, o que deve estimular a criação de uma justiça especializada, tamanha a complexidade desses primeiros anos, e claro essa complexidade é inevitável.
Destacamos sobre esse ponto, que já em abril desse ano, um estudo realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), concluiu que a instituição da CBS e do IBS podem triplicar o contencioso judicial. De um lado, cada titular do crédito tributário (Estado, Município e União) moverá execução fiscal envolvendo um mesmo fato gerador. De outro, pode haver uma multiplicação de ações por parte dos contribuintes, uma vez que cada impugnação deverá ser direcionada também contra esses mesmos entes federativos, e logo devem surgir inúmeros conflitos de competência.
Terceiro ponto, vai ocorrer na condicionante do direito do crédito identificado pelo pagamento do tributo na etapa anterior. Nesse caso vamos usar um só exemplo:
Na medida em que a empresa só pode se creditar caso se identifique o pagamento do tributo pelo fornecedor, como ficam o direito ao crédito nos casos de inadimplência seguida de parcelamento? Quem fiscaliza isso e em que proporção se dará o crédito? E nos casos de depósitos judiciais de parte controversa do tributo, como fica o crédito? E no caso de interrupção ou exclusão do parcelamento como fica o crédito? São todos pontos que devem causar uma certa confusão nos anos iniciais e que certamente vai parar no judiciário.
O cerne dessa controvérsia, reside na dificuldade que o contribuinte tem de identificar se houve ou não pagamento.
È evidente que em muitos casos vai ficar evidenciado o impacto no fluxo de caixa das empresas, basta imaginar uma empresa que compra um item parcelado e o revende a vista, ela receberá créditos da compra que realizou também de modo parcelado (com a liquidação). Porém, terá de pagar os tributos imediatamente, reduzindo os recursos em caixa, e ai vai surgir uma necessidade de aprofundamento ou ampliação do conceito de não cumulatividade, e o mais curioso é que IBS e CBS vão nesse caso operar em regime de caixa e essas despesas poderão ser realizadas em regime de competência para o IRPJ.
Logo eu imagino que as empresas devem em parte judicializar esse ponto para evitar que, no caso de compra a prazo, a CBS e o IBS incidam diretamente sobre o recebimento do valor à vista pela venda.
Um quarto ponto que podemos destacar deve ocorrer no creditamento do ICMS, para o caso de créditos acumulados no regime atual, até o ano de 2032, com o IBS, visto que a reforma tributária definiu que esses créditos poderão ser utilizados para abatimento do IBS ou ressarcidos em até 240 parcelas mensais. O texto constitucional prevê a correção deles pelo IPCA a partir de 2033, diferente do índice que corrige o débito que é a SELIC, veja no caso de hoje a significativa diferença entre esses dois índices, ou seja o contribuinte deve também procurar uma isonomia nos índices de correção de créditos e débitos. Nesse ponto destacamos ainda que parte desses créditos sempre depende da homologação do fisco e da velocidade do processamento destes pedidos, ou seja devemos ter muitas empresas questionando.
Esses são apenas alguns pontos para esse artigo de partida, mas estamos apenas no início, tem muito mais por ser discutido, e isso repetimos, é normal devido a complexidade da reforma e os inúmeros conjuntos de pressão que a sociedade organizada o faz na busca de uma caga tributária menor e mais justa.
Charles Machado
Consultor e Advogado em Direito Tributário e Mercado de Capitais, no Brasil e no Exterior.