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REFORMA TRIBUTÁRIA E O MILAGRE DE AGRADAR A TODOS

Depois de duas décadas nesse ano deve finalmente ocorrer a primeira etapa da Reforma Tributária, desde 1988 atuando no Direito Tributário, acompanho a complexidade e riqueza de um sistema jurídico onde três entes federativos (União , Estados e Municípios) exercem as suas competência impositivas derivadas da Magna Carta, criando para o cotidiano dos contribuintes um verdadeiro inferno legal de obrigações principais e acessórias que fazem com que as rotinas sejam preenchidas com uma burocracia exagerada de declarações além de uma elevada carga tributária que onera sobremaneira os nossos serviços e produtos retirando a competividade mundial dos mesmos e encarecendo a vida do cidadão brasileiro.
Em meio a dois projetos de reforma que transitam no Congresso, e que caminham para convergência, permitindo que essa primeira etapa seja votada ainda antes de setembro, as forças parecem construir no primeiro momento uma Reforma primeira que seja agora nos dizeres do secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernardo Appy, a “melhor possível” do ponto de vista técnico e viável politicamente. E exatamente isso que o contribuinte brasileiro pode esperar, dentro da complexidade de redução de tributos e a simplificação das obrigações.

Lembro que a reforma não é um projeto para esse ou aquele governo, mas um projeto de País, tanto que governo não está mandando uma nova proposta de Emenda Constitucional para Congresso Nacional. Porém apoiando o Congresso na construção de um texto que seja o melhor possível do ponto de vista técnico e viável politicamente a partir dos dois textos que tramitam, em meio a todo tipo de pressão setorial, onde os segmentos da sociedade de forma organizada exercem suas influências sobre as bases parlamentares, num jogo que hora se assemelha ao xadrez e na maioria das vezes ao truco.
Nesse jogo todo mundo tenta levar o máximo. Na lógica canhestra de quem não chora não mama, um equívoco que desconsidera a importância da carga tributária ser reduzida como um todo e que os incentivos e benefícios nacionais, e não apenas setoriais de forma deslocada, na lógica da economia de oligopólio, que edifica a carga tributária que bem entende fazendo valer seus preços, e o melhor exemplo está no segmento econômico das montadoras, onde os benefícios são dados por uma conveniência e não dentro de uma estratégia nacional, afinal qual é o incentivo e a obrigação da eletrificação da nossa frota de automóveis, ou vamos continuar importando os carros eletrificados mais sofisticados da China e produzindo para o mercado nacional o atraso dos veículos à combustão, lembrando que nesse momento 25% dos veículos vendidos na China são elétricos, algo que no Brasil se aproxima de 2% (isso considerando elétricos e híbridos).

Imagina a importância para um Estado como Santa Catarina uma política agressiva na eletrificação da frota? Com players aqui instalados como a WEG entre outras empresas dessa cadeia como a Intelbras que participam da cadeia desde a fabricação de motores aos carregadores residenciais de veículos. Pergunte ao proprietário de um carro elétrico se ele se sente suficientemente atendido pela rede de eletropostos do Estado? Ou a Celesc vai demorar quantos anos pra entender que cada novo veículo eletrificado, seja ele hibrido plugin ou elétrico, é um novo cliente da estatal e não da indústria de hidrocarbonetos? Isso é claro pra ficarmos em um exemplo de estratégico da nossa política tributária que considera as tendências mundiais.

Voltando as propostas de reforma na criação do IBS, ela precisa contemplar a lógica mundial e a vocação local, afinal qual o sentido de fabricas de veículos distantes da cadeia de suprimentos ou dos maiores mercados consumidores?

Nessa lógica da edificação de um novo sistema tributário é fundamental pensar, é preciso tratar de forma estratégica os diferentes setores da economia, onde alguns por interesse na manutenção dos benefícios, apresentam números assustadores para pedir tratamento diferenciado na reforma tributária, quase sempre com alíquotas menores. A tributação não é sobre setor, é sobre bens e serviços que são consumidos pelo consumidor final, o encarecimento dele (através da carga) grava o poder de consumo, o que nos leva a lógica inversa dos biscoitos Tostines, onde “se vende menos por ser caro, e é caro por se vender menos”. Lembro que se o impacto na economia pela redução dela, ganha toda sociedade.

Qual o critério da escolha de alíquotas diferenciadas? O que faz sentido hoje em ter uma alíquota menor e como mudar mais à frente quando essa lógica não se mantém? Dar benefícios é difícil, mas retirar os mesmos depois que o setor se acostuma é ainda mais difícil.

A lógica de uma proposta que agrade à todos, só existe na ignorância daqueles que não entendem a complexidade da economia atual, com toda transformação digital e o poder de influenciar parlamentares dos lobbys mais organizados.

Com o propósito de se tributar tão somente o consumo em vez de onerar a produção, é fundamental que o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) seja um tributo efetivamente não cumulativo. Daí porque, deixando de lado a experiência de outros tributos, com alto índice de litigiosidade a esse respeito, adota-se um modelo de crédito financeiro, sobre toda a gama de aquisições necessárias ou úteis ao desenvolvimento da atividade econômica, prestigiando uma racionalidade ainda não experimentada no país e contribuindo para que a tributação sobre o consumo não crie distorções no ambiente de negócios, visando a eficiente alocação do investimento. Ao fixar que o crédito é oponível à conta de débito, a lei pretende explicitar que a compensação pode ser operada, sem exigir que o contribuinte utilize o seu caixa para adimplir a obrigação tributária quando houver créditos de IBS. Assim, cria-se um canal para que a interferência nas finanças da empresa seja mínima, compensando-se o imposto devido com os créditos existentes, operando este desenho dentro da própria estrutura do Fisco, caso a compensação tenha sido optada pelo contribuinte. Para dar efetiva feição de tributo não cumulativo é necessário o reconhecimento de crédito do imposto sempre que houver aquisições de bens e serviços pertinentes à atividade desempenhada pelo contribuinte, inclusive no que tange ao investimento realizado, de modo a desonerar os meios de produção de um tributo que visa atingir de modo efetivo e transparente, tão somente o consumo de bens e serviços. O rol, exemplificativo, posto que impossível esgotar todas as hipóteses de aquisições dos diversos setores e em diferentes modelos de negócios, visa apenas deixar claro que o crédito se mantém incólume em situações que, a depender do viés interpretativo, poderiam ensejar possível dúvida. A não-cumulatividade efetiva do IBS é importante para garantir a neutralidade do tributo. O princípio de neutralidade no IBS significa que transações comerciais equivalentes devem se sujeitar ao mesmo nível de tributação, de modo que as decisões de negócio devem ser motivadas pela racionalidade econômica e não por questões referentes ao regime tributário. Segundo a OCDE (201019), a neutralidade do IBS, domesticamente, é alcançada pela forma de apuração do imposto em todas as etapas produtivas: toda firma contribuinte deve recolher o IBS para o seu comprador e descontar o IBS referente aos seus insumos com incidência do tributo. Dessa forma, garante-se que a taxação é inteiramente repassada para o consumidor final, independentemente da natureza do produto ou de sua estrutura de distribuição ou do número de transações comerciais efetuadas ao longo da cadeia produtiva, é sob essa lógica que se baseia a proposta de Lei Complementar para regulação do IBS.

Alguns segmentos, como as Confederações da agricultura, do comércio e do transporte dizem que a reforma geraria aumento de preços. Eles citam 22% sobre a cesta básica, 38% em medicamentos, 22% no plano de saúde. Esses cálculos batem com os do governo?

Os setores só conseguem ver a carga na parte final que estão recolhendo diretamente, e você tem sempre uma grande incidência cumulativa nas etapas anteriores. O fundamental é olhar para a carga efetiva que incide sobre o consumidor, quando consideramos todas as etapas da cadeia.
De forma genérica a nossa certeza é de que essa carga que incide sobre o consumo hoje é bem maior do que o setor costuma estimar. Quase sempre se subestima a carga efetiva, pois se deixa de olhar toda a cumulatividade que existe. Como no caso do produtor rural que hoje está comprando insumos tributados e não recupera o crédito, o que quase sempre não se considera, e assim se distorce os números e a compreensão das novas propostas de reforma.

Para o êxito da Reforma Tributária, é fundamental olhar o todo, ainda que no trâmite algumas concessões para a sua aprovação precisarão ser feitos, mas lembro que o sucesso da Reforma reside na medida inversa das concessões dos setores organizados. Afinal se vários setores querem tratamento diferenciado e há uma premissa na reforma de não haver aumento de carga tributária, alguém vai pagar mais. Quem?
A proposta de um sistema com cashback é um avanço, mas sua operacionalização pode e deve ser melhor detalhada por meio das leis ordinárias, ele é o melhor instrumento para desonerar as pessoas menos favorecidas na aquisição dos seus produtos e serviços, mas isso já seria matéria para um próximo artigo.
Só destaco que é através dele que as famílias de baixa renda poderão se beneficiar, na medida que deve cair a conta dos setores mais tributados, como energia e telefonia.

É amplo consenso sobre a importância de aprovar a reforma tributária, porém, em razão de múltiplos interesses em jogo, a proposta da PEC avança, ainda que com a possibilidade de sair desvirtuada, no sentido de implementar uma reforma justa e com equidade para todo o sistema econômico.

O princípio constitucional da isonomia é a base de um sistema tributário mais justo e menos oneroso aos menos favorecidos.

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