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A PRIVATIZAÇÃO DA CASAN, QUEM QUER?

Em tempos de crise, vira ponto comum estarmos insatisfeitos contudo, e quase sempre de forma apressada, o que muitas vezes nos levam a conclusões equivocadas.

Na semana passada o Governo Federal, colocou na mesa uma ampliação do seu plano de concessões e para surpresa de muitos, a possibilidade de privatização de cerca de 15 empresas de saneamento estaduais, entre ela a CASAN, empresa de Saneamento de Santa Catarina.

Nesse momento, vale o ditado popular ‘nem tudo que reluz é ouro , e nem tudo que balança cai”. Esse é o caso dessa intromissão da União em assunto que é exclusivo dos Estados. Esse quadro poderia ser assim resumido:

Crise dos Estados + Crise das Construtoras +Redução dos Juros + Rentabilidade do Saneamento = OPORTUNIDADE PARA OS BANCOS.

É exatamente isso, os bancos estão vendo uma grande oportunidade de negócio nas empresas de saneamento. Logo analisamos cada ponto dessa equação:

1)A Crise Fiscal dos Estados, ela serve de argumento para que o Governo Federal, dono da maior fatia da arrecadação tributária nacional crie uma série de condições para renegociação das dívidas das Unidades Federativas, logo até mesmo Estados, como é o caso de Santa Catarina, com suas finanças controladas passam à ser alvo dessa intromissão, em um verdadeiro toma lá da cá, em nome da Responsabilidade Fiscal, ou seria irresponsabilidade? Na renegociação das dívidas das unidades federadas, a privatização de empresas rentáveis passou à ser o alvo.

2)A Crise das Grandes Construtoras, decorre de alguns elementos causadores, quais sejam: a) Crise Econômica Brasileira, que reduziu o investimento em Infraestrutura, paralisando as grandes obras; b) Crise dos Entes Públicos (União , Estados e Municípios) com suspensão das obras já contratadas e elevado grau de inadimplência e consequente redução de editais licitatórios para novas obras; c) Operação Lava-Jato, indo para o seu terceiro ano, a maior operação de investigação das obras públicas já realizada no Brasil, colocou as maiores Construtoras brasileiras no banco dos réus, levando muitas delas a Recuperação Judicial. O resultado desses elementos pode ser mensurado pelo fato de que nesse momento mais de 300 empreiteiras no Brasil estejam em Recuperação Judicial.

3)A Redução dos Juros, que deve ser acentuada nos próximos meses, é resultado da paralisia da economia, com queda drástica dos índices inflacionários. Isso tornou o crédito mais seletivo, restritivo e ao mesmo tempo proibitivo. Com uma inflação baixa temos a maior taxa de juros do mundo, que deve ser reduzida de forma acelerada reduzindo a rentabilidade dos bancos.

4)A Rentabilidade do Saneamento, sabidamente as taxas de retorno de investimentos em saneamento variam de 17% a 55%, com benefícios duas a oito vezes seus custos, informa o Banco Mundial, porém, com menos da metade de sua população atendida por esgoto, o Brasil ocupa o 112º lugar na classificação mundial e o 12º na da América Latina. Só para uma referência, na “atrasada e bolivariana Venezuela”, apenas 10% da população continuam a sofrer os malefícios de esgoto a céu aberto.

Resultado

Os bancos brasileiros e internacionais viram no resultado dessa equação, uma grande oportunidade de negócio, afinal, podem se aliara a pequenas construtoras, através de consórcios, e participarem dessa oportunidade fantástica de negócio, exatamente isso, no final são apenas negócios.

A ampliação da rentabilidade das empresas de águas e saneamento pode tranquilamente ser percebida por alguns dados, ainda que o dito acime já fosse suficiente, para que fossem maximizados investimentos privados mediante PPPs de saneamento. Mas há mais. Esse revoltante atraso com certeza a maior das injustiças socioambientais que assolam a sociedade brasileira neste início de século XXI pode se tornar um benemérito trunfo estratégico. É que ele agora oferece excelente oportunidade econômica além dos incomparáveis benefícios humanitários e socioambientais se as estações de tratamento de esgotos forem projetadas com um tripé de novas funções: obtenção de fertilizantes (com destaque para o fósforo); geração de bioenergias (biodiesel, biogás, bioeletricidade), e reuso da água tratada.

Um bom exemplo se dá na Holanda onde a obtenção de materiais fosfatados, tanto mediante a coleta prévia de urina para reciclagem, como por remoção no tratamento terciário de esgoto. Lá existe clareza sobre o caráter crucial do fósforo para a agricultura, e do consequente perigo de se depender dos raros países exportadores de rocha fosfática. Em 2008, bastou que a China restringisse suas exportações (12% das mundiais) para que o preço da tonelada saltasse de US$ 40 para US$ 430, tente imaginar a importância disto em um Brasil agrícola?

Em países como Alemanha e Japão, ocorre a geração de bioenergias via tratamento de esgoto ainda não há país que possa ser apontado como benchmark. Mas, ao contrário do que ocorre com a obtenção de fertilizantes, a pesquisa tecnológica brasileira está bem menos atrasada no uso de algas para fins energéticos. Indica que, além de poderem ser cultivadas em qualquer época do ano, microalgas rendem volumes de óleo duzentas vezes superiores aos das oleaginosas atualmente privilegiadas na produção de biodiesel, isso é claro ses desperdiçar o biogás, material mais abundante.

Destaca-se ainda, no âmbito energético há outra auspiciosa opção: o aprimoramento já em curso das sensacionais “CCMs” (células de combustível microbianas), que permitem a produção direta de eletricidade, pois lidam com microrganismos capazes de oxidar matéria orgânica e transferir elétrons para um ânodo. Experimentos realizados com apoios do CNPq e da Fapesp indicam que essa inovação pode estar muito próxima de sua fase comercial.

Existe ainda o aproveitamento na água de reuso, por meios agrícolas, industriais e para limpeza de calçadas e outros uso que não o consumo humano.

Evidentemente que a população em um primeiro momento questiona a falta de investimento, porém ele decorre nas duas últimas décadas da insegurança jurídica advinda do embate entre as empresas de saneamento e prefeituras municipais, na retomada dos sistemas de esgoto por parte desse ente federativo, criando um prejuízo milionário ao Estado e principalmente a população, sendo esse o caso das ações impetradas por municípios com o objetivo de retomar o serviço de água e esgoto da CASAN, acabam resultando em desequilíbrio financeiro a Estatal catarinense, fenômeno que se repete em outras unidades da Federação.

A Constituição Federal, em seu artigo 26, inciso I, tornou as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos bens dos Estados, não é por menos que o Estado de Santa Catarina, criou por Lei à quase 40 anos a Companhia Catarinense de Água, através dela 206 cidades são atendidas através dos quase 11.000 km de rede.

Ocorre que a entrega desse bem a população catarinense corre considerável risco, uma vez que através de ações judiciais muitas cidades vem tornando, municipais a prestação desses serviços, em alguns destes, as prefeituras ficaram com toda a arrecadação da CASAN e com toda a estrutura da estatal no município, ainda que não tenham colocado um só tostão.

A municipalização é o sonho de muitos prefeitos, que passam a dispor de recurso não onerosos, cedidos por terceiros, por meio de convênios, e repasses de verbas federais e ou empréstimos do banco mundial, justamente no momento em que a Lei de Responsabilidade Fiscal, aperta a execução orçamentária das prefeituras. Dessa maneira, retomar o serviço da CASAN, gratuitamente, explorando toda a estrutura criada pela Estatal, ao longo dos seus trinta anos é um assalto ao patrimônio público estadual, que hoje ainda paga demandas trabalhistas e débitos tributários advindos da estrutura criada para atender esses mesmos municípios, que se propõe a pegar a rede instalada como se a mesma fosse um presente a eles dado, e que doravante criarão novas estruturas para tocar o serviço, gerando mais despesas à população.

Dar um basta nessa sangria, mais do que medida de justiça é evitar sim um prejuízo maior num futuro bem próximo, pela descontinuidade dos investimentos e pela dilapidação do patrimônio estadual.

A água é seguramente a única commodity mundial cujo controle no mundo pertence aos governos, e por essa razão a maioria absoluta dos cerca de US$ 500 bilhões investidos tem origem direta nos governos, conforme confirma o relatório da World Water Council (WWC).

É inegável a economia de saúde pública que os investimentos na água e no saneamento trazem aos Estados que estão avançados na infraestrutura básica. Porém, de nada adiantarão os investimentos se não investirmos na cultura de valorização desse ativo, protegido até pela nossa Magna Carta, nos artigos 22 e 26. É evidente a necessidade de construções de ETE menores, que produzam como subproduto a água de reuso, além da possibilidade da geração de energia.

É nítido o esforço da Casan em promover a ampliação do seu sistema na valoração desse bem universal, e isso ficou claro em posições firmes tanto no controle do desperdício da água quanto nos novos investimentos.

É evidente também que ela precisa estar acompanhada de uma produção legislativa que torne obrigatória, num calendário exequível, algumas mudanças de comportamento, como a obrigação de coleta de água da chuva nas construções coletivas, e da obrigatoriedade de água de reuso nas indústrias, assim como do uso de águas de reuso nas torneiras de serviço.

Essas medidas valorizam a commodity água, que em muitos lugares do planeta já é vista como o novo petróleo.

A privatização pode sim ser discutida, mas de forma clara e honesta e não de maneira oportunista, principalmente quando esses ativos estão todos subavaliados.

A ponderação é o elemento básico para esse momento, evitando os oportunistas de plantão, por um pacto na ampliação e melhoria do serviço, independentemente da modelagem jurídica que for utilizada.

Charles M. Machado

Charles Machado
Charles Machado