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As decisões do STF, as leis municipais e os desafios da gestão pública em debate no TCE/SC

Uma análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios marcou a continuidade dos debates do Seminário Federalismo e o Papel dos Municípios, na tarde desta quinta-feira (4/4), no auditório principal do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), em Florianópolis. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o advogado Roberto Dias traçou um panorama da evolução das previsões constitucionais sobre a instituição de municípios no País, apontou decisões emblemáticas do STF sobre o tema, e fez uma reflexão sobre o impacto delas na expansão ou contenção desse fenômeno nos últimos anos.

No mesmo painel, presidido pela conselheira substituta do TCE/SC Sabrina Nunes Iocken, o professor de Direito Constitucional, advogado Ruy Samuel Espíndola, defendeu a implantação de uma cultura federalista no País e a natureza constitucional das leis orgânicas municipais. O espaço também contou com a participação do presidente da Federação Catarinense de Municípios (Fecam), Joares Ponticelli. Prefeito de Tubarão, no Sul do Estado, Ponticelli abordou os desafios da gestão municipalista, nos campos político e administrativo, e apontou a necessidade da construção de um novo pacto federativo e da ampliação do debate sobre os 22 movimentos emancipacionistas em curso no Estado.

“A reavaliação do pacto federativo é um tema que precisa ser enfrentado. É necessário que busquemos, em conjunto, novas soluções nessa direção”, disse Sabrina Iocken na abertura do painel, ao qualificar o espaço aberto para esse debate.

Realizado pelo TCE/SC e pela seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), com o apoio da Fecam, o Seminário Federalismo e o Papel dos Municípios reuniu cerca de 170 pessoas, entre agentes públicos, advogados, estudantes e demais interessados. A análise da autossustentabilidade, sob o ponto de vista das contas públicas; a eventual fusão, considerados aspectos econômicos, sociais e históricos; e as regras para a criação de municípios — tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP 137/15) — foram os três pilares definidos para o evento, que também debateu o controle da constitucionalidade das leis instituidoras de novas cidades e das normas municipais.

 

Jurisprudência

“Em 50 anos, houve um aumento de 201,19% no número de municípios no Brasil — eram 2.766, em 1960, e esse número subiu para 5.565, em 2010. No mesmo período, a população cresceu 272,43% e a taxa de urbanização saltou de 44,67%, em 1960, para 84,36%, em 2010”. Com esses dados do IBGE, o professor de Direito Constitucional Roberto Dias iniciou sua participação, destacando a enorme desigualdade regional e social no País — o 10º mais desigual do mundo considerada a disparidade de renda (índice GINI). Diante dessa realidade, Dias considerou que as variáveis população e renda não são suficientes como parâmetros para formação de novos entes municipais. “Outros requisitos como a razão histórica e cultural para sua criação também devem ser analisados”, sustentou, ao destacar a importância de uma reflexão sobre a possibilidade de se compatibilizar as respectivas estruturas administrativas às peculiaridades do município criado.

Ao discorrer sobre a evolução constitucional no âmbito da criação de municípios, o advogado assinalou que a Constituição Federal de 1988, art. 18, § 4º, previu entre os requisitos o plebiscito às populações diretamente interessadas e que a Emenda Constitucional Nº 15/1996, trouxe a exigência de lei complementar federal e a apresentação de estudos de viabilidade municipal. Diante da falta de lei complementar federal, vários estados passaram a legislar sobre o tema e muitas localidades foram criadas após a EC Nº 15/96, dando origem à interposição de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no STF.

Até 9 maio de 2007, o Supremo vinha declarando a nulidade de leis estaduais, instituidoras de novos municípios, posteriores à Emenda Constitucional, por ausência da lei complementar federal, prevista no art. 18, § 4º da CF. A jurisprudência do STF sofreu alteração a partir daquela data, quando foram julgadas ADIs instauradas com o objetivo de declarar nulos os atos de formação de novos municípios. O Supremo fixou o prazo de 18 meses para o Congresso Nacional cumprir a norma constitucional e declarou a inconstitucionalidade de leis estaduais posteriores à EC Nº 15/96, mas sem pronúncia de nulidade, mantendo a vigência dos atos impugnados pelo prazo de 24 meses. “O STF reconhece a omissão do Congresso Nacional e que não há lei, mas municípios são criados”, observou o advogado.

Entre as decisões emblemáticas do STF sobre o tema, Dias citou ADI 2240/2007, contra a Lei do Estado da Bahia 7.619/2000, que cria o município de Luis Eduardo Magalhães. O relator, o então ministro Eros Grau, opondo-se à declaração de nulidade, apontou a “reserva do impossível” — impossibilidade de se anular situação fática decorrente de decisão política de caráter institucional sem que ocorra uma agressão ao princípio federativo — entre os fundamentos utilizados para a preservação do novo ente federativo, julgando o pedido improcedente. No entanto, Eros Grau decidiu retificar seu voto e acompanhou a tese do ministro Gilmar Mendes, no sentido de declarar a inconstitucionalidade da lei estadual, e não a nulidade, pelo prazo de 24 meses, entendimento que prevaleceu no julgamento da Ação. “O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do município e apesar da nulidade da norma que o criou”, registrou o palestrante.

Dias ainda ressaltou a convalidação da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, se atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado á época de sua criação, pela Emenda Constitucional Nº 57/2008.

 

Constitucionalidade

A natureza da lei orgânica municipal e seu impacto no estabelecimento de novos direitos foi um dos destaques da abordagem do advogado Ruy Espíndola. “Ela é a norma das normas, tem supremacia local e mostra como as demais leis municipais serão produzidas”, assinalou o integrante da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SC. Espíndola defendeu a tese da natureza constitucional das leis orgânicas e argumentou que essas normas devem ser entendidas e aplicadas como constituições dos municípios. “Seus parâmetros devem ser considerados para o controle de constitucionalidade”, reforçou o mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina.

O especialista em Direito Público também chamou a atenção para a falta de cultura federalista no País, o que favorece a adoção de práticas administrativas clientelistas. “Trabalhamos como um Estado regional e Brasília é a grande prefeitura”, asseverou, ao lembrar que, formalmente, o País é uma Federação. Para ele, a falta dessa cultura faz com que os órgãos constitucionais desrespeitem as características locais e não encarem a lei orgânica municipal como constituição. “Não é o nome jurídico da lei que define sua natureza e sim sua função”, concluiu.

 

Desafios

Ao abordar os desafios da gestão municipal, em tempos de crise financeira e aumento de responsabilidades e demandas da sociedade por melhores serviços, em especial nas áreas da saúde e educação, o presidente da Fecam, Joares Ponticelli, defendeu a construção de um novo pacto federativo e mais autonomia para os municípios na aplicação dos recursos públicos. “O modelo atual está falido”, disse. O ex-deputado apontou a necessidade de ampliar a discussão sobre alternativas para o enfrentamento do problema e considerou que a capacidade dos municípios está no limite, diante da concentração das receitas públicas na União. “Esse debate é oportuno e necessário, é mais uma oportunidade para colhermos subsídios”, assinalou, ao enaltecer a iniciativa do TCE/SC e da OAB/SC.

Sobre os parâmetros para a formação de municípios, Ponticelli acredita ser fundamental assegurar o equilíbrio federativo e a eficiência na repartição dos recursos federais, considerando além das questões tributária e fiscal, um conjunto de aspectos culturais, históricos e de identidade.

 

Saiba mais: Currículos

Roberto Dias

Professor da Faculdade de Direito da PUC/SP e da FGV

Advogado, mestre e doutor em Direito Constitucional. É coordenador do Curso de Graduação da FGV Direito SP e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SCP e do Curso de Administração Pública da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas – ABCD

Ruy Samuel Espíndola

Sócio fundador da Espíndola e Valgas Advogados Associados

Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – Furb (1987/1991). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1992/1997), tendo cursado o Doutorado em Direito do Estado na Universidade Federal do Paraná (2002/2005). Professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral em pós-graduações lato sensu. Advogado e sócio fundador da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, militando nos Tribunais Superiores em Direito Eleitoral, Direito Criminal, Direito Administrativo e Direito Constitucional, desde 1994.

Joares Ponticelli

Presidente da Fecam

 

Professor. Vereador do município de Tubarão (1997/1998). Deputado estadual por quatro legislaturas (1999 a 2015). Presidente da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais – Unale (2012-2013). Atual presidente da Federação Catarinense de Municípios – Fecam e prefeito de Tubarão.

Crédito das fotos: Douglas Santos – ACOM/TCESC