Blog do Prisco
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Hamlet e Processo Penal

Há algo de podre no processo penal brasileiro.

Peço licença ao poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare, para utilizar da famosa frase de Hamlet e chamar a atenção para como o processo penal e suas regras e garantias estão sendo violadas diuturnamente, em prol do “bem comum”.

Nos últimos dois anos, o país acompanha o desenrolar da Operação Lava Jato, com prisões, conduções coercitivas, delações premiadas e condenações. A população em festa, comemora e esbraveja contra os empresários e políticos corruptos que estão sendo presos e processados criminalmente e que até outrora eram intocáveis.

A mídia espalha os áudios de escutas e de delações vazadas. Os repórteres sensacionalistas exaltam a Polícia Federal e o Ministério Público, afirmando que estes são os salvadores da nação, os heróis do povo. Até criaram a República de Curitiba.

E neste carnaval midiático sensacionalista, o processo penal brasileiro samba sendo atacado por todos os lados da avenida. A sociedade está tão em êxtase com a Lava Jato, que não percebe ou não quer ver as manobras ilegais cometidas em nome da luta contra a corrupção, ela mesmo esqueceu-se que o processo penal é para todos e quando se aplaude uma prática processual ilícita esta também poderá ser aplicada contra ela.

Mas até que ponto vale a pena transgredir o direito para se fazer cumprir a lei? Até que ponto pode-se relativizar direitos fundamentais conquistados a duras penas, para legitimar a prisão de um cidadão?

Ora, a resposta é simples, não vale! E o tempo se encarregará de provar, caso as medidas contra a corrupção propostas pelo MPF sejam aprovadas ou o STF aceite a relativização do princípio da não culpabilidade/presunção de inocência, ao concordar com a prisão após a análise processual realizada pelo 2º grau de jurisdição.

Está-se querendo acabar com as garantias fundamentais individuais insculpidas na Constituição Federal de 1988, após longo período de ditadura militar, com o pretexto de pôr fim às práticas criminosas, como se não fosse necessário ter respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.

Quer-se aceitar a prova ilícita desde que proveniente de meios de boa-fé. Se a prova é ilícita, não tem como o meio utilizado para sua obtenção ser legal, eivado de boa-fé. Também se requer, a fragilização do Habeas Corpus inserindo diversas condicionantes, como a proibição da decretação de ofício e em caráter liminar.

Por fim e não menos importante, está em curso no STF a maior cruzada do direito processual penal brasileiro, com a análise das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, que visam garantir e defender a aplicação do princípio de presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Caso o STF julgue improcedente as ADC’s, o golpe mais profundo ao processo penal e a Constituição Cidadã será dado, pois se estaria permitindo a relativização da presunção de inocência em nome de uma falsa sensação de segurança e da justificativa falaciosa de que a prisão põe fim a prática criminosa.

Claro que sobre este item, poder-se-ia abordar mais, porém o que este breve texto quer demonstrar é a importância do respeito as regras e garantias processuais, pois não é transgredindo os direitos da defesa que se garantirá o fim da impunidade. Enfim, não tenham que chegar ao final e dizer: lutei tanto contra a corrupção que corrompi!

 

Alexandre Salum Pinto da Luz, Advogado 

 

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