Blog do Prisco
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O OVO, A GALINHA, O ESTADO E O CIDADÃO

A capacidade do homem de se acostumar com as situações adversas é diretamente proporcional ao quanto aquela adversidade o incomoda. É exatamente isso que podemos dizer a da informalidade, que toma conta da economia brasileira, ela adquire feições das mais diversas, desde a não declaração daquela operação fiscal, até a alteração do enquadramento, procurando assim uma alíquota menor.
O certo é que a informalidade esta em tudo, ao ponto de calcular-se ela em cerca de 40% do PIB Brasileiro, segundo um estudo da McKinsey, em alguns seguimentos da economia ela chega a assustadores 85%, como é o caso dos pequenos negócios que não recolhem seus tributos corretamente, ou de 55% da força de trabalho no país que não conta com o registro legal.
Somente em arrecadação tributária a perda é calculada anualmente em cerca de 45 bilhões de reais na conta dos investimentos públicos, é saúde de menos, educação de menos.
É evidente também que a presença de um Estado ineficiente, com homens públicos e espírito e ações pouco públicas a pensar muitas vezes de que mais tributo é mais corrupção, como se o grau de corrupção estivesse ligado exclusivamente ao grau de arrecadação, grande balela.
O fato é que de tanto nos decepcionarmos com os nossos homens públicos somos levados ao vil caminho do julgamento rápido, e muitas vezes falho, se misturando assim o joio ao trigo.
De fato a elevada carga tributária, aliada a um Estado que pouco oferece, nos conduz a identificar o Estado como o inimigo público, pois nesse caso o interesse do Estado nem sempre anda de mãos dadas com o interesse público.
Essa talvez seja a primeira grande causa, para muitas vezes fecharmos os olhos para o aviltamento dos nossos valores com a invasão daquela que eufemisticamente chamamos de economia informal.
Aos poucos ela nos cerca, porque o que esta por traz da economia informal, não é somente a economia tributária, por conta da aviltante carga, mas esconde-se a falta de acesso a financiamento da produção, que dariam maiores condições de competitividade a pequena e média empresa. A informalidade esconde muitas vezes negócios cuja tecnologia obriga as empresas a mudarem, mas elas não mudam na mesma velocidade.
Um claro exemplo disso é o setor de entretenimento, onde a pirataria nas cópias de CDs já passa de 80%.
O fato é que a possibilidade de se fazer uma cópia de um CD, por menos de R$ 0,50 centavos e revendê-la a R$ 5,00 com uma margem de lucro inimaginável, torna o risco do negócio tentador, pois mesmo que a apreensão fosse dia sim dia não, as altas margens de lucro manteriam a perenidade do negócio.
Esse é um claro exemplo em que um paradigma de tecnologia mudou o modelo de negócio, que só vai funcionar quando a formação de custos do produto for alterada, ou toda a cadeia negocial terá de ser repensada, da redução dos custos de produção (gravando-se menos faixas de musicas), passando pela redução da carga tributária, ou estabelecendo-se uma carga inversamente proporcional a vendagem, afinal o que interessa a pirataria são os campeões de vendagem, pois dificilmente vai se encontrar um CD pirata do astro do Bibop, Charlie Parker; passando também pela verticalização do negócio, reduzindo-se os atravessadores da cadeia. Os CDs, estão na inversão da velha máxima, vende pouco porque é caro e é caro porque vende pouco, de tal sorte que assistimos no mundo uma inflação em dólar nesse tipo de produto, pois a pirataria é internacional, ela vai da XXV em São Paulo a Canal Street em Nova York, de SilK Allley em Pequim a Charoen Krung Road em Bangkok, afinal a globalização e os meios eletrônicos só tendem a aumentar as facilidades de se vilipendiar a propriedade intelectual. O que devemos assistir nesse ramo do negócio é o aumento de parcerias estratégicas, a alteração de canais de venda, a remodelação dos contratos artísticos, tudo com o único propósito de não permitir a quebra do negócio e o fechamento de milhares de postos de trabalho, mas isso precisa ser mais veloz, pois onde o direito anda a galope a informalidade vem de avião.
É claro que a informalidade não se restringe ao camelo da esquina, ela vai muito além, e depende do empenho do Estado, no seu combate, esse é o caso das cervejas, onde o aumento da arrecadação sobre cervejas foi de 15%, sem nenhum aumento de alíquota, enquanto que o consumo cresceu somente 5%, o que é fruto de uma maior fiscalização nesse setor, que tornou obrigatório o uso dos medidores de vazão. O modo inverso se deu no caso dos refrigerante, que ainda não dispõe desse regramento onde o consumo aumentou em 7% e a arrecadação do IPI caiu em 14%.
Qualquer que seja a receita de combate a informalidade, ela terá que contar com os seguintes ingredientes: redução da carga tributária, alteração do modelo de negócio reduzindo-se custos de produção, simplificação do modelo legal de negócio, criminalização das condutas de quem compra e de quem vende, redução das margens do negócio com vistas ao ganho em escala e investimento em tecnologia, com uma melhor formação de mão de obra.
É necessário agregar valor ao produto brasileiro, pois o desemprego é sempre parceiro da informalidade, sem a geração do emprego formal, alimenta-se a informalidade.
Não se pode é reduzir a informalidade,a pirataria, pois assim estaríamos fechando os olhos a mais de 5% de média de ligações de energia clandestina, ou aos 12% de gatos nas ligações de TV a cabo.
A redução da carga é item fundamental, mas ela sempre virá acompanhada com a redução do tamanho do Estado.
Nesse ano de crise quantos Prefeitos e Governadores propuseram a redução do número de secretarias ou de cargos comissionados?
Sem o redesenho do Estado para patamares que garantam a eficiência no uso do dinheiro público, estaremos perpetuando a sonegação como justificativa para sobrevivência a elevada carga tributária.
A relação Estado/Contribuinte mantem ainda os atavismos do período colonial onde o Estado existe para si só, e somos todos nós contribuintes vassalos de um famigerado Leviatã, que beneficia a poucos com privilégios e pune a todos com uma elevada carga tributária.
Ficamos assim na relação de quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? É fundamental entender que o interesse público não pode ser confundido com o interesse de algumas categorias de privilegiadas do serviço público, e quando a crise vem, dão as costas a ela como se o problema sempre fosse dos outros.
Mudar é sempre doloroso, porque nos retira da zona de conforto, mesmo que essa tranquilidade seja às custas de milhões de contribuintes.
Charles M. Machado

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