Blog do Prisco
Manchete

Morre o artista Rodrigo de Haro

O blog lamenta a morte do artista, escritor, poeta e erudito catarinense Rodrigo de Haro e subscreve, integralmente, o que escreveu o colega Moacir Pereira, reproduzindo seu post neste espaço. Confira:
“MOACIR PEREIRA

Minha primeira homenagem ao já saudoso artista e amigo Rodrigo de Haro vem com o compartilhamento da primeira parte da “Introdução” do livro “Rodrigo de Haro-Um Poeta Humanista”, que escrevi depois de vários anos de entrevistas, longas conversas e um convívio altamente enriquecedor com o extrarordinário intelectual.

A obra foi lançada em 2018, uma das mais criativas e ricamente ilustrada da Editora Dois Por Quatro, de nosso colega jornalista Valmor Fritsche.

A Europa Ocidental já vivia em clima de guerra no final da década de 30 quando os catarinenses Martinho de Haro e Maria Palma transferiram-se para Paris. Ali iriam curtir a lua da mel. O artista conquistara uma bolsa para estudar na Academie de La Grande Chaumiere de Paris, contemplado com o Grande Prêmio de Viagem do Salão da Pintura Brasileira. Apaixonado por Maria Palma, mandou-se do Rio para São Joaquim da Costa da Serra, realizou o casamento com toda pompa e seguiu para a França. Ele estudara na Escola Nacional de Belas Artes, entre 1927 e 1937, com bolsa do governo de Santa Catarina, revelando-se um grande talento.

No ano em que o casal deixou o Brasil, Hitler já havia invadido a Áustria e parte da Tchecoeslováquia. Campos de concentração se espalhavam por diversas regiões da Alemanha. Atos de violência com os judeus multiplicaram-se em cidades alemães, com destruição de lojas e incêndio de sinagogas, seguidas de milhaers de prisões e perseguições.

Concebido no final de 1938, o primeiro filho do casal deveria nascer em julho de 1939. O cenário na capital francesa já era de perplexidade, tensão e pânico entre franceses e visitantes.

Maior prova do clima de terror foi dada pelas medidas preventivas de proteçao do patrimônio artístico e cultural. Temendo a invasão das tropas nazistas, o governo francês providenciou a remoção de todos os quadros do Museu do Louvre. Foram 5.446 caixas transportadas em 200 viagens para os magníficos Palácios e Castelos que até hoje constituem uma das maiores atrações turísticas do Vale do Loire.

Rodrigo de Haro nasceu prematuro, com apenas sete meses. Permaneceu durante algum tempo na incubadora. Num dos exames de rotina, os médicos encontraram uma espécie de absesso no pescoço, identificado como um embrião que não se desenvolveu durante a gravidez.

O clima politico e policial em Paris se agravou rapidamente. Certo dia, ao cair da noite, quando se dirigia ao Hospital para acompanhar o tratamento do filho, Maria Palma ouviu, aterrorizada, pelo sistema público de alto falantes, que ocorrera o rompimento entre a França e a Alemanha.

A ordem do governo era clara, repetidamente anunciada: “Os cidadãos franceses deveriam doar suas rendas ao governo. Os estrangeiros teriam que ir embora ou entregar todos os seus bens.”

Na prática, a França já vivia sob o medo do terrível conflito bélico que amedrontava o mundo.”

Rodrigo de Haro testemunhou várias vezes o relato da mãe sobre a desesperada situação. Seu primo, o engenheiro Gerson Bortoluzzi, ouviu também em casa, de sua mãe Olga, madrinha de Rodrigo, a mesma descrição sobre o que ocorreu a partir daquele dia.

-Minha mãe foi me buscar no Hospital. Meu pai, carregado de malas e quadros, contou com o apoio de Messieur Dreufus, homem da resistência, senhor do mundo que atuava como uma espécie de guia turistico. A confusão na estação ferroviária era grande. Todo mundo queria deixar Paris – recorda Rodrigo de Haro.

E continua: “Meus pais contaram que entraram num dos vagões com as malas, livros e o que puderam trazer. Messieur Dreyfus com o prematuro nos braços, enrolado em tecido. O trem, repentinamente, no meio de grande confusão e superlotado, começou a partir da estação. A mãe, atormentada, à procura do filho. No desespero, Mr. Dreyfus identificou Maria Palma e apressado, e lhe entregou a criança pela janela.”

Segue a narrativa sobre a penosa volta ao Brasil: “Meus pais ficaram um bom tempo em Portugal, aguardando a oportunidade de retornar ao Brasil de navio, num clima de muita tensão, pelas ameaças de afundamento pelos submarinos alemães. A viagem só foi possível porque o escritor Osvald de Andrade cedeu sua cabine para meus pais.”

Casal e filho permaneceram durante um ano em Portugal, à espera de um navio que os trouxesse ao Brasil. Sempre com grande receptividade e carinhosa atenção dos portugueses.

O grande Di Cavalcanti, uma das maiores expressões da arte brasileira no século XX, revelou 30 anos depois a seu amigo Martinho de Haro, em São Paulo, que Mr. Dreyfys tinha sido preso 15 dias depois da viagem e fuzilado pelos nazistas, acusado de espionagem.”

O francês morto pelo hitlerismo, segundo o mesmo artista, era descendente de Alfred Dreyfus, capitão do exército frances de origem judaica, que foi injustamente acusado e condenado por traição, e depois anistiado. Ficou mundialmente conhecido como o caso Dreyfus, mais tarde transformado por Émile Zola no livro “J’accuse”(Eu acuso), clássico da literatura européia e mundial.”