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O princípio da igualdade: um passo para o fim da violência política

Tammy Fortunato
A autora é membro efetivo do Instituto dos Advogados de SC (Iasc), advogada e professora, pós-graduada em Direito e Negócios Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestranda em Ciência Jurídicas e Políticas na Universidade Portucalense/Portugal.

A política é parte da organização de uma sociedade, estando presente desde os tempos mais remotos, sendo, muitas vezes, apresentada como forma de poder. A política está presente nas formas de governo, nas instituições de classe e, inclusive, na convivência diária entre as pessoas. O bom convívio gira em torno da política.

A Constituição da República do Brasil traz o princípio da igualdade entre homens e mulheres, garantido a todos os mesmos direitos e obrigações. No entanto, no meio ambiente político, principalmente quando envolve cargos políticos ou de poder, a igualdade deixa de ter o mesmo significado, não sendo muito receptivo às mulheres.

Aliás, lutar pela igualdade e pelo seu fiel cumprimento é a primeira batalha a ser vencida por uma mulher ao tentar ocupar um cargo político, um cargo de poder. Michele Bachelet diz que: “Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas entram, muda a política”. Eis aí mais uma das grandes batalhas femininas: mudar a política.

O ingresso de mais mulheres no meio ambiente político não é tarefa fácil e nunca foi. Houve um tempo, inclusive, em que mulheres sequer eram consideradas cidadãs, sem direito de votar e serem votadas, e eram vetadas de expressar a cidadania.

Exercer a cidadania é, manifestamente, fazer parte de uma sociedade livre, justa e igualitária, mas acima de tudo, é trabalhar para garantir que não haja desigualdade e hierarquia entre os gêneros quando se trata de cargos políticos de destaque ou de poder.

A realidade é um tanto diferente do que almeja a nossa Carta Maior, quando trata do princípio da igualdade, embora o Estado possua elementos que possam efetivamente trabalhar a igualdade, eliminando a discriminação, muitas vezes não o faz.

 

A busca pela igualdade real é ampla. No entanto, o meio ambiente político trata os iguais com desigualdade. Um exemplo é a lei 9.504/97, trazendo que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para cada candidatura de cada sexo, o que demonstra que na política a disparidade é regra.

 

Mulheres não precisam de cotas, precisam de igualdade, de paridade, sendo esta definida por Coucelo, como sendo “um conceito e objetivo, através do qual se pretende reconhecer igual valor a pessoas de ambos os sexos, dar visibilidade à igual dignidade de homens e mulheres, renovar a organização social de modo a que mulheres e homens partilhem, de fato, direitos e responsabilidades, não sendo reduzidos a espaços e funções predeterminadas por hábitos e preconceitos, mas usufruindo de plena igualdade e liberdade a todos os níveis e em todas as esferas. A participação política das mulheres é, pois, crucial a uma democracia onde mulheres e homens se encontram representadas/os, detendo a mesma influência e força política, economia e social.”

 

No Brasil, temos que 51% dos eleitores são mulheres, mas um número menor do que 10% ocupam cargos eletivos, demonstrando falta de representatividade, de igualdade.

 

O Brasil ocupa atualmente a 132ª posição (entre 190 países) em relação ao número de mulheres que ocupam cargos no Senado e na Câmara de Deputados. Dentre as 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, apenas 86 são ocupadas por mulheres. Números que preocupam.

 

Tanto preocupam, que o Comitê CEDAW, que tem a responsabilidade de garantir a aplicação da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, traz no artigo 7º a seguinte redação:

Os Estados-parte tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a:

  1. a) Votar em todas as eleições e referendos públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas;
  2. b) Participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais;
  3. c) Participar em organizações e associações não governamentais que se ocupem da vida e política do país

A participação feminina em cargos políticos ainda é muito pequena, assim como a participação do Estado brasileiro para erradicar as diferenças, demonstrando que a igualdade enquanto direito fundamental ainda não é de fato observada, trazendo um perigo para a efetivação da democracia.

Mulheres não podem ser consideradas observadoras do cenário político, são partes integrantes do sistema, buscando a efetiva igualdade e, como diz Bertha Lutz: “Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça a metade da população”. Não só denegar justiça, mas denegar direitos arduamente conquistados.

A desigualdade na política aponta não só um perigo para a democracia, mas, demonstra uma outra forma de violência sofrida pelas mulheres: a violência política.

 

A lei 14.192 de 2021, conceitua a violência política contra a mulher como: “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher” complementando em seu parágrafo único: “Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.

 

A lei tem como objetivo, estabelecer normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, assegurando uma participação efetiva e livre de discriminações por razão do gênero, raça, cor ou etnia.

 

O direito político, assim como, a igualdade entre os gêneros, é uma garantia prevista na Constituição da República, não se aceitando que novamente mulheres tenham seus direitos impedidos ou restringidos.

 

É preciso que se construa um meio ambiente político livre de violência contra as mulheres, com observância ao princípio da igualdade e, a real aplicação da paridade para a garantia da democracia.

 

A violência política contra as mulheres é manifesta, é algo que ainda persiste e precisa ser prevenida, reprimida e combatida. É uma violação não só aos direitos humanos, mas uma grave violação aos princípios fundamentais previstos na Constituição da República.

 

Cabe ao Estado brasileiro fomentar políticas públicas objetivando a inclusão de mais mulheres no cenário político, corroborando assim, para a igualdade entre os gêneros e garantindo o fiel papel da democracia, que busca a participação do maior número de cidadãos para a tomada de decisões políticas.